domingo, 4 de outubro de 2009

O choro do violino



Um nervoso miudinho tinha possuído todo o seu corpo. Era certo que em toda a sua vida o fez, mas não conseguia evitar de o sentir. As cortinas correram e ficou perante uma multidão de pessoas, vestidas com roupa cara e formal. Todas elas se tinham deslocado ali, naquela noite, só para a ver e a ouvir tocar. Respirou fundo, aproximou o violino do queixo e começou a tecer uma melodia que compusera há muito pouco tempo. Tudo estava em silêncio, há excepção do doce choro do violino. No público, algumas pessoas tinham os olhos fechados, outras permaneciam atentas, observando-a, mas todos estavam hipnotizados por aquele música. Quando terminou, uma onda de palmas e pessoas levantadas estoirou. Ela agradeceu e saiu do palco.

- Mais uma vez uma excelente actuação. – Disse um homem de longas barbas brancas.
- Obrigada maestro. – Ela guardou o violino na mala de transporte.
- Foi magnífico. – Disse uma mulher, gorducha, que se aproximou dela e lhe tocou levemente no antebraço. – Não vai já embora, pois não?
- Receio que sim. Hoje estou-me a sentir um pouco indisposta. – Ela disse, enquanto pegava na bolsinha chique e procurava o seu casaco no cabide.
- Mas está doente? – Perguntou a mulher. – Parece que a noto um pouco pálida.
- Devo ter apanhando um resfriado. – Ela dirigiu-se à saída. – Vejo-a para a semana. Boa noite. – E saiu, deixando o maestro e a mulher a olhá-la.
- Espero que ela melhor depressa. – Disse o maestro. A mulher acenou com a cabeça.
Lá fora nevava. Era pleno Inverno. Um manto tranquilizante cobria toda a cidade, iluminado pelas luzes nocturnas. Ela carregou no botão para destrancar o carro, colocou a mala do violino no banco ao lado, junto com a bolsinha e apertou o cinto. Encostou a cabeça durante uns segundos no encosto. Doía-lhe a cabeça. Rodou a chave e guiou em direcção a casa. A cabeça doía-lhe de forma esgotante, ela lutava para se manter atenta à estrada escorregadia. Então estacionou numa das ruas. Respirou fundo de impaciência, tudo o que ela queria agora, era chegar a casa e tomar uma aspirina.
Talvez seja melhor chamar um táxi. Pensou para consigo. Tacteou à procura do telemóvel na bolsinha. E ligou. Muitas estradas estavam cortadas devido ao excesso de neve, o táxi ia demorar a chegar, visto ter que dar uma grande volta para chegar até ela. Voltou a colocar o telemóvel na bolsa, impaciente.
Basta manter os olhos bem abertos. Pensou. Dentro de dez minutos estarei em casa. Voltou a rodar a chave e pôs-se a caminho. A dor pulsante de cabeça era irritante. A sua impaciência crescia. Acelerou um pouco. Mas foi uma má opção. Na primeira curva o carro derrapou e foi contra uma montra.
- Estes eram os únicos pertences no carro da sua mulher. – Disse o guarda. Entregando a bolsinha, a caixa do violino e alguns documentos que estavam no porta-luvas. Um homem loiro, de olhos ensonados e muito vermelhos pegou nas coisas. Ele olhou para a caixa do violino e lágrimas surgiram-lhe nos olhos. Uma mãozinha pequena agarrou-lhe a mão. Uma menina de cabelo cor de fogo, liso, com grandes olhos verdes olhou-o. Também ela chorava.
- Não te preocupes querida. – Ele disse. – A mamã foi para um lugar melhor.
- Então, porque também estás a chorar papá?
- Porque já estou com saudades da mamã. – E levou a menina para casa. Uma vez em casa, deito-a na caminha cor-de-rosa. – Dorme bem, meu anjo.
Era como se lhe tivessem roubado metade da sua alma. Um vazio mortal preenchia parte do seu coração. Ele nunca mais a poderia ouvir tocar para ele. Ele nunca mais a iria ouvir rir. Ele nunca mais ia sentir o calor dela, nos dias em que chegava tarde do trabalho e se enroscava nele. Ele nunca mais ia poder cheirar o perfume dos seus cabelos fogosos. Foi até à sala, onde ela costumava praticar. Tirou o violino da caixa e colocou-o no suporte. Ficou a olhar para ele por um longo tempo, até que se deixou de dormir no sofá. Era um sonho tão realista. Ele estava no sofá e ela tocava violino para ele, sorrindo-lhe.
- Papá! – Chamou a menina, dando um toque no seu braço. – Papá!
- O que foi querida? – Ele acordou, desiludido por aquele sonho ter durado tão pouco. Tentou endireitar-se e sentiu uma dor nas costas. – Foi má ideia o pai ter-se deixado de dormir no sofá.
- Papá! – Ela repetiu, olhando arregalada para o pai.
- Sim?
- Tiveste a tocar violino?
- Como assim, fofinha?
- Eu ouvi alguém a tocar violino. – Ela disse. – Parecia mesmo a mamã.
- Meu anjinho! – Ele puxou a menina para o seu colo. – Quando sentimos muito amor por uma pessoa e temos saudades, por vezes a nossa mente faz-nos uma surpresa. E deixa-nos sentir o cheiro dessa pessoa e, às vezes, ouvir essa pessoa.
- Tu não ouviste papá? – A menina olhava para o pai, com os olhos muito abertos. Ela era demasiado parecida com a mãe. Tanto que lhe causava mágoa, por o fazer lembrar a beleza da sua mulher. Mas ao mesmo tempo, ele amava aquela menina. Era a única coisa preciosa que lhe restava agora na sua vida. Ele abraçou-a.
- Não, não ouvi. – Ele levantou-se com ela ao colo. – Mas sonhei com a mamã. Ela estava a tocar violino para mim. – A menina sorriu. – Agora vais dormir. Foi um dia demasiado longo. – A menina deu um beijo na bochecha do pai e enrolou-se nos lençóis.
Ele foi até ao seu quarto, ia tentar dormir um pouco. Mas quando se sentou na cama e se preparava para dormir, ele ouviu um choro familiar. O choro do violino da mulher. Os olhos abriram-se-lhe e ele pulou da cama. Parecia tão real. O corredor estava escuro, ele caminhou devagar em direcção à sala. Quanto mais se aproximava, mais intenso o choro era. Aquela melodia, intensa, que ela treinara todos os dias do ultimo mês. O coração dele começou a bater intensamente. Como podia ser aquele som, fruto da sua imaginação se era tão intenso? Ele aproximou-se da sala, passo a passo, lentamente. E abriu a porta de repente, acendendo a luz ao mesmo tempo. A sala estava vazia. Não havia mobília suficiente para esconder uma pessoa. Ele levou as mãos à cara e chorou. Mas, ele sentiu um odor familiar. Ele aproximou-se do violino e esse odor intensificou-se. Era o perfume que invadia os cabelos cor de fogo da sua mulher. Tão intenso que parecia mesmo que ela estava ao lado dele. Ele tocou no violino com a mão. E olhou em redor na sala. Sentiu uma calma a envolve-lo, sentiu um calor agradável. Olhou em direcção ao ar condicionado, mas estava desligado.
Foi-se sentar no sofá. Ele não tinha sido o único a ouvir o violino. A filha também tinha ouvido. Sentiu-se perto da mulher que amava, não sabia se era fruto da sua imaginação, se uma resposta ao desgosto da morte da mulher. Mas ficou ali sentado, por que a conseguia sentir. E quer fosse ilusão ou não, era tudo o que ele podia ter naquele momento, que mais se assemelhava à companhia dela.

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