quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A história do Lobisomem (part III)

Seguiram o senhor Carmo por alguns metros, sempre escondidos por detrás de árvores. Os cães pareciam fantasmas, correndo, farejando, sombras escuras que se moviam rapidamente. Em redor de uma outra sombra enorme, que de quando em quando se abaixava e tocava o chão.

- Mas que merda está ele a fazer? – Sussurrou aos outros o rapaz loiro. Com ar de gozo.

- Não faço a mínima. – Telmo observava-o atentamente. – Carlos tens aí alguma coisa que dê luz? – O rapaz loiro começou a procurar nos bolsos das calças.

- Tenho o isqueiro.

- Serve.

Quando o senhor Carmo se afastou, eles foram lentamente até ao local onde ele se tinha baixado da última vez. Telmo ligou o isqueiro e espreitou para o chão. Viam-se pequenas pegadas de um animal qualquer.

- O que é isso? – Perguntou o outro rapaz.

- Nunca foste à caça com o teu pai? – Telmo gozou.

- São pegadas de javali. – Apressou-se Carlos a responder.

- O gajo deve andar à procura de paparoca para o jantar. – Telmo brincou. Carlos riu com vontade. Jeremias, o outro rapaz, ficou sério. Uma palidez estranha penetrou no seu rosto. Os seus olhos estavam fixos em algo atrás de Telmo e Carlos. – O que foi?

Carlos levantou o braço, apontando para trás deles. Telmo, ainda com o isqueiro aceso virou-se. Um rosto traçado por sombras profundas, num efeito da fraca luz do isqueiro, parecia demasiado assustador para ser de um ser humano vivo. Telmo deixou cair o isqueiro. Saltando para trás, juntamente com Carlos.

- O que fazem aqui? – A voz do senhor Carmo era grave e rouca.

- Nós… – Começou por dizer Carlos, quase gaguejando.

- Viemos fumar. – Apreçou-se Telmo. Dando uma cotovelada a Carlos, que retirou um maço do bolso. – Ali, os pais do Jer não podem saber que ele fuma, por isso viemos para aqui. Qual o melhor local se não no olival, onde não deveria estar ninguém? – Embora o seu coração palpitasse anormalmente e suas pernas parecessem ir abaixo a qualquer momento, sua voz soava segura e confiante.

- Isto não é local nem horas para andarem nisso. – Parecia que a peta de Telmo tinha pegado O senhor Carmo soava calmo, embora a sua voz ainda parecesse um tanto assustadora. – Vão para casa. Vocês podem fumar ás escondidas noutro sítio. Aqui é perigoso!

- Sim, senhor. – Jerónimo respondeu, preparando-se para ir embora.

- E o senhor? Que faz aqui a estas horas? – Jeremias estremeceu ao ouvir a pergunta do amigo.

- Passear os cães. – Eles não acreditaram, olhando para o senhor Carmo com olhares questionadores, com excepção de Jeremias, cujos olhos eram uma demonstração de puro medo. – Aqui eles podem correr à vontade e fazer o que têm a fazer. Por vezes até encontram animais para seguir e brincam um pouco. – Carlos trocou um olhar com Telmo, um sinal para se irem embora.

- Boa noite. – Despediu-se Telmo.

- Boa noite rapazes! Tenham juízo.

Os três se afastaram até à entrada do olival. Mas Telmo parou, olhando para trás.

- Que grande mentiroso! – Sussurrou aos outros. – Que passeio tão estranho, não?

- Pessoal. Eu vou para casa. – Jeremias disse. – Isto é demasiados sustos para uma noite só! – Carlos e Telmo desataram às gargalhadas.

- Mas que raio és tu? Um gajo ou uma gaja? – Telmo deu-lhe uma cotovelada. – Carlos! Vamos continuar?

- Vamos! – Ele deu um sorriso sugestivo. – O que ele queria dizer com local perigoso?

De novo uma onda de latidos encheu a noite. A voz do senhor Carmo surgiu também, num conjunto de gritos imperceptíveis nas suas palavras.

- O que é que ele está a gritar? - Telmo estava assustado, mas uma excitação parecia encher os seus pequenos olhos negros.

- Não percebi nada. – Carlos procurava estar atento aos latidos, tentando perceber o que aqueles gritos diziam.

- Façam como quiserem. Tenham é cuidado. Até amanhã! – De passos apressados, mãos nos bolsos e gorro sob a cabeça, Jeremias afastou-se.

- Maricas! – Carlos disse, por entre os latidos ensurdecedores. – Hoje vamos apanhar o lobisomem.

Enfiaram-se pelo olival em direcção aos latidos e gritos do senhor Carmo. Mas, de repente cessaram. Carlos e Telmo entreolharam-se, ainda nenhum ruído era perceptível. Olharam em redor, tentando reconhecer onde estavam. Mas tudo lhes parecia igual. Carlos encontrou qualquer coisa no chão. Telmo ligou o isqueiro. Era parte da gabardine do Senhor Carmo. Estava toda rasgada e húmida.

- Ali! – Carlos apontou para uma das Oliveiras. – É o resto. – A outra parte da gabardine estava presa num dos ramos, também molhada. – O que é isto? – Carlos perguntou, esfregando algo pegajoso que tinha nos dedos. Levou os dedos ao nariz. Uma convulsão fê-lo curvar-se.

- O que foi? – Telmo perguntou.

- Isto é sangue! – Ele largou a gabardine. – Ainda está quente. – Telmo olhou para o chão, parecia que havia um pequeno rasto de sangue.

- Vamos! – Telmo sussurrou-lhe. Carlos não estava muito seguro, mas foi atrás dele. Andaram alguns minutos. Até que ouviram uma nova onda de latidos e rosnados, aproximando-se deles. Subiram uma Oliveira, tão rápido como nunca antes o tinham feito Desconfortavelmente agarrados aos ramos e indiferentes aos arranhões, eles olharam surpresos e chocados. Mesmo na sua frente, uma criatura enorme, de quatro patas passou a correr, num grito ensurdecedor, como se estivesse ferida. Atrás dela, vinha a matilha de cães, correndo que nem loucos, rosnando e ladrando. Uma perna de Carlos escorregou do ramo onde ele estava empoleirado. Telmo segurou-o pelo braço, puxando-o para junto de si. Nenhum dos quadrúpedes enfurecidos notou suas presenças. Ao fim de alguns segundos eles estavam sozinhos, os latidos afastavam-se.

- Viste o senhor Carmo? – Perguntou Carlos, sussurrando numa voz tremida. - O que era aquilo que vinha na frente da matilha?

- Eu…eu não sei, assustei-me assim que me apercebei que vinham para aqui e subi… - Telmo olhou-o para ele, com um sorriso triunfante. - Eu acho que era o nosso Lobisomem numa corrida nocturna. Ele estava ferido…

- Temos que ir embora! Já! – Carlos desceu a Oliveira. Telmo também. – Que merda! Para onde é o caminho de volta?

- Ali! – Telmo apontou e ambos correram na direcção, que era oposta à da matilha.

- Tens a certeza? – Carlos quase gritava agora.

- Sim! – Telmo disse. – Vê se te acalmas, génio! Se olhares para o céu e notares nas nuvens deste lado, há um reflexo amarelado. É das luzes!

Ambos correram o máximo que conseguiram, tropeçando por vezes em pedras ou torrões de terra mais salientes. Ao saltarem a vedação continuaram a correr até terem a certeza de que estavam seguros, dentro da vila.

- Meu! Nós vimo-lo mesmo! – Carlos falou. – O gajo quase se transformou debaixo dos nossos olhos!

- Eu sei. – Telmo tentava recuperar o fôlego. – Só é pena não termos trazido a gabardine ensanguentada. Isso seria uma boa prova.

- Temos a história. – Ele levantou um braço. – Olha só! Estou todo arrepiado.

- Eu sei. Também estou. – Deu um riso patético. - Isto foi brutal!

Dois rapazes satisfeitos por acreditarem que viram realmente algo que tornasse verosímil toda a história do Senhor Carmo. Tal como eles, vários grupos tiveram a mesma ideia, mas a maioria desistia assim que chegavam ao Olival. Outros que entraram no Olival, acabavam por perder-se e consequentemente perdiam o senhor Carmo de vista. Este foi o único caso em que havia um pouco para contar. Um novo ponto desta história.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A história do Lobisomem (part II)

Como bons curiosos, dotados de uma coragem timida, alguns adolescentes queriam testemunhar uma transformação ou, pelo menos, uma pequena prova visual de que o senhor Carmo era de facto um lobisomem. Assim, faziam-lhe esperas até que ele saísse de casa, para o seguir.

- Olha. – Disse uma rapariga. – Lá vem ele. – Tinha uma franja recta, sob seus grandes olhos azuis, tapando suas sobrancelhas, ainda se notava o seu olhar assustado e fixo no vulto negro. Agarrou o braço de Telmo, o seu namorado, estavam subidos num monte de lenha cortada, por detrás dos muros da casa do seu avô. Observando silenciosamente. Haviam mais três adolescentes a seu lado. A sua melhor amiga e mais dois rapazes, amigos dela e de Telmo.

- Vamos atrás dele. – Disse Telmo, saltando de cima da lenha e indo em direcção ao portão.

- Vocês têm a certeza de que querem fazer isto? – Perguntou Eliana, a outra rapariga. Descendo do monte de lenho com a ajuda de um dos rapazes.

- Claro. – Telmo bufou. – Achas que perderia a noite aqui parado para depois não fazermos nada? – Olhou para o senhor Carmo que desaparecia no fundo da rua. – Vamos. Ele está a ir embora.

- Catarina? – A ela apelou, olhando-a com medo.

- Não te preocupes, estamos com eles. Mesmo que as coisas corram para o torto estamos bem protegidas. – E lançou um sorriso amoroso para Telmo. Ele agarrou-a pela cintura.

- Disso, podes ter a certeza. – E deu-lhe um beijo sufocante.

- Opa! Deixem-se disso. Vamos mas é ao que interessa. – Disse o rapaz de cabelos loiros, começando a correr em direcção de onde tinha visto o último cão desaparecer,

Atravessaram a vila de um lado ao outro, sempre seguindo o Senhor Carmo, com apenas alguns metros de distância. Procuraram não falar, para não serem ouvidos. Quando entraram numa rua mais vazia, que na maioria era rodeada de Oliveiras e uma ou outra casa que surgiam de entre elas, o senhor Carmo desviou-se da estrada, enfiando-se no Olival.

- Ei! – Disse em voz baixa Telmo. – Vamos depressa antes que o percamos de vista. – Os cães começaram a ladrar. Catarina apertou-lhe o braço.

- É melhor não. – Ela disse. – Ali está muito escuro, nós não trouxemos lanternas, nem nada.

- É. E ali já não há ninguém que nos possa acudir se estivermos aflitos.

- O quê? – Disse Telmo. – Está uma Lua excelente, até conseguimos ver as nossas próprias sombras no chão. – Depois olhou com confiança para Eliana. – Não sejas tão insegura, nós também te protegemos. Mesmo que tu sejas uma chata.

- A mim não me apanhas tu no Olival. – Respondeu-lhe. – Isso já vai para além da minha curiosidade. – Depois olhou para o resto dos amigos. – Se calhar de vez em quando deveriam dar ouvidos a esta chata!

- Mais alguém se quer cortar? – Lamuriou Telmo. – Já falta pouco para vermos o que queremos. – Um uivo cortou o ar. Os cães começaram a ladrar desalmadamente. Catarina apertou o rosto contra o ombro de Telmo.

- Eu vou-me pisgar daqui para fora. Boa sorte com a vossa perseguição! – Eliana começou a correr em direcção à urbanização.

- Telmo. Vamos embora, por favor! – Disse Catarina quase histérica, com lágrimas nos olhos. Telmo olhou para os outros dois rapazes que estavam com eles. Ambos pareciam assustados. Ouviu-se um grito de desespero, carregado. Era o senhor Carmo. Catarina começou a puxar o braço de Telmo.

- Vamos mas é sair daqui para fora, depressa! – Catarina voltou a apelar a Telmo, dando outro puxão no seu braço, para que ele cedesse. Telmo suspirou de impaciência.

- Se quiseres podes ir ter com a Eliana. Eu vou continuar em frente. – Deu-lhe um beijo nos lábios. – Vemo-nos amanhã na escola! – E foi em direcção à entrada do olival, num passo apressado. – Vocês vêm? – Perguntou aos outros dois, que olhavam para ele abismados.

- Sim. – Disse o rapaz loiro, indo ter com ele.

- Esperem. – O outro rapaz acelerou numa corrida para os tentar alcançar. Catarina ficou por alguns segundos, vendo-os a afastar-se. Mas voltou para a aldeia, temendo por eles.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

1 ano de TDMN + A História Do Lobisomem

Este conto é baseado numa história verídica. Um momento de nostalgia para alguém que me é muito querido e que também tem as suas histórias (com qualidade) do passado para contar. As quais oiço com muita satisfação e carinho. Obrigada por as partilhares comigo.

Assim, em homenagem à minha mãe e suas memórias da infância, dedico-lhe este conto, adaptado e inspirado pela sua história.

Mas, também gostava de lembrar que hoje faz um ano em que decidi publicar a minha paixão. As minhas pequenas escritas, os contos da mente, que guardava no meu coração (computador), que com pouca gente compartilhava. Mas, neste mesmo, há um ano atrás surgiu uma nova porta, uma partilha que me deu uma nova dedicação para aqueles que aqui se perdem. Obrigada a todos os que visitam, comentam e que por aqui têm seguido. O TDMN irá continuar por um bom tempo, enquanto eu estiver por aqui. Com uma maior ou menor frequência, mas sempre por aqui.

Mas por agora, deixo-vos com este novo conto. Não se esqueçam de comentar. Bom ou mau, um comentário construtivo (ou não) é sempre uma mais valia.



Entre os murmúrios nocturnos e o sorriso gélido desenhado no céu, onde uma Lua em quarto minguante quebrava a escuridão do céu, havia uma linha ténue entre o real e a fantasia. Os seus olhos piscaram. Ele não conseguia acreditar na beleza que testemunhava. Como aquela luz suave iluminava os topos das árvores cobertos por uma fina camada de gelo. Sombras que dançavam ao sabor do vento, por entre muros e paredes vazias.

Seus pés afundavam na terra enlameada. Fazendo um “blok” sonoro ao se levantarem de novo. Ele gostava da noite. Gostava do ar tristonho que o Inverno trazia. Quase todos os dias aquele era o seu caminho. Sabendo que era observado por olhares curiosos. Ele procurava evitar que os seus cães ladrassem ou uivassem dentro da vila. O senhor Carmo liderava a saída. Preparado para o frio e mais uma noite, ralhando num tom brusco, quando algum dos seus cães ladrava.

Algum tempo depois de o Sol se deitar. Dos fundos de uma rua de casas antigas, era ele o homem cuja gabardina negra o diluía na noite, rodeado por uma matilha de criaturas esplendorosas, de puro-sangue, que deixava a sua moradia. Muitas caudas se agitavam, prevendo uma longa noite de diversão. Narizes húmidos cheirando cada poste ou parede, e uma ou outra pata alçada marcando o seu território.

Numa dessas maravilhosas noites de Inverno, daquelas em que o frio se torna mau companheiro, um grupo de adolescentes deambulava na rua, conversando alto e alegremente, tentando encontrar o caminho de volta para casa. Tocados pela bebida, olham-no com estranheza, desviando-se da matilha dos caçadores quadrúpedes, que infestam a rua com urina e alguns dejectos. O homem passa por eles sem nada lhes dizer, fechando a sua gabardina em redor do pescoço, carregando às costas uma mala comprida.

De olhos arregalados, os dois adolescentes testemunharam mais uma saída misteriosa do seu vizinho. Um homem que raramente sai de dia, vive rodeado da matilha de treze cães e que parece ter uma grande fortuna. Sai a altas horas da noite voltando apenas no outro dia de manhã., todo enlameado ou cheio de pó, ramos secos e outras imundices suspeitas.

Nunca ninguém falou com ele realmente. Uma conversa ou outra de ocasião e circunstância, mas nunca nada pessoal que lhe permita ter uma relação de amizade, ou, pelo menos, que permitisse às pessoas saber um pouco mais acerca dele. Muitas são as especulações da sua forma de sustentação:

“É filho de gente rica, não precisa de trabalhar.” Essa é a preferida dos populares. No entanto, há outras versões que incomodam as pessoas. Que estão na origem de um medo, que se propaga de mansinho pela população.

Matias e os seus amigos, são crianças de oito e nove anos que vivem na mesma rua que o Senhor Carmo. Cresceram a ouvir histórias fantásticas, sobre criaturas místicas e lendárias da sua terra. Brincam durante a tarde pela rua. E numa das partidas de futebol, utilizaram os portões da moradia do senhor Carmo como baliza. Mas, numa das investidas dignas de um jogador de futebol de tenra idade, passou os limites da entrada, caindo a bola junto ao enorme canil. Cães de raças puras, excelentes na arte da caça, ou na busca ou ataque à peça, ou até mesmo porque perseguem a presa, revelando o seu esconderijo ao dono. Ladraram furiosamente a Matias. Que tendo a bola na mão, corre em direcção ao portão. Mas um vislumbre junto à casa, fê-lo parar. O seu coração salta dolorosamente com o susto. Um enorme homem com capa negra levava qualquer coisa na mão. Entrou no pátio, deixando-se banhar pela tímida luz do sol que penetrava por entre as folhas do salgueiro-chorão. A cara manchada pela terra, o cabelo húmido escorrido em redor do rosto, roupas sujas e enlameadas com alguns rasgões e uns olhos profundos. Tão profundos que, por momentos, Matias pensou que olhava para um fantasma. Soltou um grito agudo, como uma menina assustada, largou a bola e correu até ao portão, assustando os seus amigos, que correram atrás dele, fugindo sem saber ao certo do quê. O homem olhou com tristeza para a bola que rebolou até aos seus pés.

- Que sorte a vossa. – Disse para os cães. – Parece que ganharam um brinquedo novo. – Baixou-se para pegar na bola e atirou-a para dentro do canil. – Mas agora está na hora de comer.

As crianças correram até aos contentores do lixo que se encontravam a meio da rua. Escondendo-se na parte de trás.

- Matias o que é que se passou? – Perguntou um dos rapazinhos, ainda recuperando o fôlego, com as mãos apoiadas nos joelhos.

- Eu vi o Lobisomem! – E espreitou, para ver se tinham sido seguidos. – Ele estava com as roupas rotas. Parecia mesmo que tinha acabado de se transformar em humano. – Ele disse com os olhos muito abertos, dando um ênfase exagerado no seu relato. – Ele é peludo e estava todo sujo.

- A minha avó disse que o ouviu ontem a passar lá à porta. – Disse outro rapaz, com uns óculos de lentes grossas. – Aposto que ontem saiu para se transformar e que quando o viste tinha acabado de voltar.

- Eu até deixei cair a bola. – Disse Matias.

- Nós calculámos. – Disse o rapaz que ainda se apoiava nos joelhos. Com a respiração mais normalizada. – Aposto que foi quando te ouvimos gritar.

- De início pensámos que tivesse sido uma rapariga. – Disse um outro rapaz, ruivo, fazendo com que os outros se rissem, ao se lembrarem.

- Eu gostava de vos ver frente a frente com o lobisomem. Aí, já não riam de certeza.

Marcados pelo sucedido. Matias e os amigos contaram a sua história aos colegas de escola, pais, professores, avós… a todos que falassem do assunto. Juntamente com a história dos bêbados e de outras pessoas que assistiram a situações insólitas por parte do senhor Carmo, depressa ele passou a ser conhecido como o Lobisomem. O misterioso homem com as barbas mal cortadas que saia todas as noites com a sua matilha de cães, vestindo roupas escuras, tornou-se um caso popular. O mistério que intrigava pessoas de todas as idades.

Continua...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Um só olhar

Cegos são aqueles que se negam a ver.
Aqueles que se guiam pelo seu mundo,
Que se deixam levar pelo seu querer.
São aqueles que deixam de procurar lá bem no fundo.

Vêem o que lhes dá prazer, o que os fazem felizes,
Mas esquecessem do que há realmente para ver.
Dos pormenores que envolve todas as raízes,
Que perduram na essência do que é o ser.

Que perduram na essência da existência,
Cujos olhos terão que se esforçar para ver.
Toda a existência tem a sua magnificência,
Mas para a encontrar não basta querer.

Tantas são as incertezas e os medos,
Que todos acabam por ficar cegos.
Seguindo as rotinas e os credos,
Vêem só a superfície, esquecendo o resto.

A palavra envolve quase toda a comunicação,
Confundido por vezes a possível compreensão,
Que se estabelece simplesmente pela observação,
Numa transmissão de sentimentos e mensagens,
Que prevalecem na base de toda e qualquer relação.

Será difícil demonstrar que um só olhar,
Pode ter mais efeito que uma só palavra?
Para todos os sentimentos expressáveis,
Haverá uma única forma fiel de encontrar,
A possível e dolorosa expressão que amarga,
Embalada num mar de possibilidades amáveis.