domingo, 29 de novembro de 2009

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São todos esses bocados de matéria fúteis,
Que nos causam agoiros na alma, agoiros no ser e no ter.
São todos esses bocados de matéria cruéis,
Que nos jogam como marionetas,
Guiando num mundo falso e matreiro.
São todos esses bocados de matéria onde nos encontramos,
Lançados num paralelismo irritante com um mundo irreal,
Que pinta tudo de perfeição.
O que se há-de fazer? O que há-de acontecer?
Não sei o que escrevo, não sei o que penso, não sei o que sinto.
Estou como num espaço vazio à procura de mim mesma.
Perdida num abismo, que talvez não seja tão perverso como eu julgo.
Sôfrega pela quietude, pela indiferença,
Mas nada se assemelha a tal a não ser a própria.
São pequenas chagas, golpes e quedas que me fazem assim.
Uma pessoa que não quer ser.
Uma pessoa que não quer ver,
Que não quer sentir, que não quer ter.
Uma pessoa que observa demais, sente demais, pensa demais…
O ar escapa-se dos meus pulmões,
Numa respiração dolorosa e macabra.
Tudo aquilo que eu sou, posso não o ser.
Mas não acabarei por o ser, nem só porque o pareça ser?
Tantas questões, tantas mentiras,
Tantas verdades por saber, tantas paixões por alimentar,
Tantas mágoas queimadas, tantas mágoas mal esquecidas…
Isto é um ciclo vicioso, uma perdição da minha alma,
Quando num estado desconhecido.
É o som pesado e magoado,
Do bater do meu coração.
Parece tão belo…
Tão triste…
Tão perturbado…
Sofre pela desilusão…
Pela frustração…
Sofre porque precisa ser amado…
Porque precisa amar…
Porque chora na noite escura,
À luz da Lua.



Será este o meu toque da meia-noite?
Aquele que eu sinto dentro de mim.
Aquele que se esconde num conto,
Em que digo à mágoa,
Ainda bem que te foste!
Em que o meu coração solto,
Correrá por um mundo,
Correrá pelo mundo,
Alcançando aquilo que nunca alcancei.
Aquela quietude…
Não a indiferença, mas o significado.
Como um coração esquentado
Por alguns segundos
De toda aquela estranha franqueza
De todo aquele ser que envolve a minha alma
Num momento estranho...


A todos aqueles que não me conhecem,
Apresento-vos o meu lado lunar.



Nada programado…saiu tudo instantaneamente, num dos meus momentos…daqueles momentos em que me sinto estranha e confusa…nem sei o título que lhe devia dar… alguma sugestão?

sábado, 28 de novembro de 2009

Toque da noite: IX

- Já estava a morrer de saudades. – Uma rapariga, muito morena, disse, apertando Maria intensamente. – Eu nem acredito que estás aqui. Vais voltar?

- Não. Ainda não estou em condições para voltar. – Maria disse, ainda abraçada à rapariga. – Eu também estava a morrer de saudades vossas! – E juntou-se uma outra rapariga ao abraço. Uma rapariga com muitas sardas e de cabelo alaranjado.
- Como foi a Republica Dominicana? – Perguntou à rapariga muito morena.
- Vocês têm que lá ir. Aquilo é lindo. E as praias…um autêntico paraíso. – A rapariga passou a mão pelos cabelos castanhos-escuros, de modo a tirar algumas mechas da franja comprida do rosto. – Simplesmente maravilhoso.
- Eu já não posso ouvir falar mais da Republica Dominicana! – Disse aborrecidamente Soraia, a rapariga do cabelo alaranjado. – Queres vir à praia?
- Eu não sei se deva. Acho que os meus pais planearam coisas… - Leonor apareceu na sala de estar, onde as três raparigas estavam sentadas no grande sofá de pele.
- Importa-se que levemos a Maria até à praia? – Perguntou Raquel. – Já há muito tempo que não estamos com ela. E ia ser só da parte da manhã, à hora de almoço já a tínhamos trazido de volta. – Ela apontou para a Maria. – E sinceramente está a precisar de dar um mergulho na água salgada.
- Oh! – Leonor surpreendeu-se. – Penso que não há problema. O Henrique planeou um passeio, mas acho que pode ser à tarde.
- Óptimo. – Soraia levantou-se num pulo. – Vai buscar o bikini e a toalha.
Leonor queria aproveitar o pouco tempo com a filha. Assegurar-se de que a filha estava curada, ou pelo menos a caminho disso. Mas não pode negar a companhia das amigas que sempre estiveram ao lado da filha doente. Até lhe prometeram que a trariam de volta à hora do almoço.
- Não te esqueças do protector. – Disse à filha.
Maria desceu com uma malinha, onde levava a toalha, o protector solar, os óculos de sol e o seu diário. Quando alcançaram a rua, Raquel, animadamente virou-se para ela e disse.
- A tua mãe não nos podia negar um bocadinho de tempo contigo. – O cabelo esvoaçava-lhe suavemente enquanto ela caminhava pela rua. – E acredito que tenhas muito para nos contar.
- Tenho. – Maria admitiu. – Vamos para a praia de autocarro?
- Nada disso. – Soraia sorriu-lhe. – A minha irmã vai levar-nos.
A praia ficava um pouco longe. Cerca de meia hora de caminho, mas foi a melhor meia hora de toda a sua viagem até ali. Raquel e Soraia faziam-na sentir-se como se tudo fosse como dantes. Quando se juntavam para ir às compras, ao cinema ou a algum concerto de musica. Raquel é a que fala mais, de tudo. Por isso passou parte do caminho a contar novidades e coscuvilhices de conhecidos de Maria. Quando a irmã de Soraia se foi embora, elas foram as três para o lugar da praia mãos vazio.
- A tua mãe estava muito contente há uns dias. Ela disse que já não tinhas mais pesadelos daquele tipo. – Soraia começou.
- Pelo menos é o que ela pensa. – Elas esticaram as toalhas na areia. – Ainda ontem tive um. – Soraia e Raquel trocaram olhares e depois olharam para Maria. – E ainda por cima foi com uma pessoa que eu conheço.
- Oh não. Quem? – Soraia ficou pálida e Raquel tinha os olhos muito abertos.
- Vocês não conhecem. Lá na aldeia da minha avó, houve uma família que sofreu um acidente de carro. O pai morreu e um dos filhos, que são gémeos, ficou consciente após o acidente e assistiu à morte do pai.
- Que idade têm? – Perguntou Raquel chocada.
- São novinhos, fizeram dez anos há dois meses. – Soraia levou a mão há boca. Raquel sentou-se na sua toalha e olhou para o mar.
- Como é que estas coisas podem acontecer? – Raquel suspirou tristemente.
- E o pior é que o miúdo é primo direito da Tatiana. Eu vou ter que avisá-la.
- A Tatiana é aquela que é mais sensível a essas coisas, não é? – Raquel soava séria.
- Sim.
- Vais ter que lhe contar. Talvez ela consiga evitar o desaparecimento do miúdo. – Maria e Soraia encararam-na com espanto. Ela rolou os olhos. – Ele é uma criança. Não é um caso comum. Se alguém estiver junto dele, constantemente, pode ser que consiga evitar o seu desaparecimento. Ou pelo menos testemunhar e poder explicar como ocorreu.
- Isso pode ser demasiado arriscado para uma só pessoa. – Maria tirou o protector solar da malinha. – Eu não posso deixá-la sozinha a enfrentar uma situação dessas.
- De momento é a melhor solução, ou uma espécie de solução que tens. – Raquel encarou-a e remexeu na sua mala enquanto falava. – Nós já tentamos outras vezes impedir o desaparecimento de pessoas, e nunca resultou. – Tirou uma pequena bisnaga da mala. – Protector facial. É bem melhor que esse para a zona facial.
- Obrigada. – Maria espalhou o protector na cara. – Eu tenho que voltar o quanto antes para a aldeia. Não sei quando é que o desaparecimento vai ocorrer.
- Já ligaste para aquele rapaz. O que já sabe de tudo.
- Não, ainda não liguei ao Daniel.
- Meninas. – Soraia interrompeu. – Vamos aproveitar a manhã. Tens tempo, logo à tarde para ligar ao Daniel.
- Tens razão! – Maria tentou animar-se, mas em vão. Portanto fez-se parecer mais animada. – Vamos dar um mergulho?
Foi uma manhã maravilhosa. Maria esqueceu os seus problemas por completo. Raquel passou quase todo o tempo a falar de um rapaz que conheceu ali mesmo, naquela praia. Soraia só se lamentava por causa de não conseguir ficar tão morena como Raquel e, enumerava todas as técnicas que tinha tentado.
Quando chegou a casa ligou logo para Daniel. Ele pareceu calmo ao ouvir Maria falar sobre o seu último sonho. O que a alarmou ainda mais. De alguma maneira, sentiu que não estava a ser levada a sério.
Depois de almoço, Leonor fez questão de levar Maria e a avó Medina a visitar o seu salão de cabeleireira. Por muito impressionante que era em comparação ao antigo, Maria não conseguiu sentir entusiasmo. Apenas esforçava um sorriso ou outro, para não parecer aborrecida o tempo todo. Leonor estava demasiado excitada em mostrar a sua última conquista profissional, não notou muito no humor que rondava a filha. Por outro lado, Henrique apercebeu-se e tentou falar com a filha sobre outros assuntos. Mas não obteve grande sucesso. Por isso, quando apanhou Leonor entretida a fazer um corte de cabelo à avó Medina, chegou Maria a um canto mais afastado e falou-lhe.
- Eu sei que estás aborrecida por nós te termos enviado para a tua avó. Mas tens que perceber que fizemos isso com a melhor das intenções. – Maria não o julgou. Ele vivia assombrado com a decisão que tomara há quase um ano, era impossível desconfiar que o mau humor da filha não pudesse ser originado por um outro tipo de situação. Afinal de contas, ele pensava que Maria já não tinha mais sonhos daquele tipo. – Mas filha. – Ele continuou. – Se te sentires recuperada. Podes voltar para casa. Podes começar o novo ano lectivo aqui mesmo, na tua antiga escola.
- Não pai. Eu não estou aborrecida com nada disso. – Ela sentou-se num dos cadeirões onde as clientes se sentavam à espera. – Eu já ultrapassei isso. Da mesma maneira que os meus sonhos. – Ela acrescentou estrategicamente. – E a avó precisa mais de mim do que nunca. Ela não pode viver sozinha.
- Podia vir morar connosco.
- Não me parece pai. Isso ia acabar por matá-la. Tu sabes que ela não vive sem o seu quintal e as suas galinhas.
-Então porque é que estás assim?
- Assim como?
- Mal-humorada. Quase que me atrevo a dizer revoltada. – Maria deu um sorriso torto ao pai. O que o assustou um pouco.
- Vou começar um novo ano lectivo. Vivo longe de bons centros comerciais. E já lá vai um ano que não como um bom cheeseburguer. Reduzi a minha maquilhagem porque não encontro o que quero lá na zona. E pior do que isso, viver perto da fronteira não é muito favorável para a internet, por isso a minha é lenta como tudo. E para terminar. Deixei de receber a minha mesada.
- Oh. – As sobrancelhas de Henrique juntaram-se. – Tens toda a razão, foi uma grande mudança. Quanto a isso da tua mesada…bem, nós pensámos que era melhor termos cuidado, tu não estavas nas melhores condições para receber mesada. – Ele aliviou a sua expressão facial, de preocupada para compreensiva. – Eu posso tratar disso da tua mesada. E tens toda a razão. Eu não era capaz de viver um ano inteiro sem sequer me dar o cheiro de um cheeseburguer. Provavelmente ia ficar bem mais revoltado e mal-humorado que tu. – Maria acenou com a cabeça em sinal de agradecimento. Lançando um olhar do tipo “ora vez como tenho razão”.
A avó Medina parecia animada com o novo corte de cabelo. Leonor ia-lhe explicando o que estava a fazer, enquanto a penteava e lhe secava o cabelo.
- Amanhã vou compensar-te isso. Vou pedir à tua mãe que te leve ao centro comercial e depois podes ir almoçar comigo ao MacDonalds.
- Obrigada pai. – Maria abraçou o pai. Ele pareceu um bocado comovido com o gesto, e retribuiu o abraço. Maria ficou mais bem-disposta por ver a cara de alivio que o pai fez.




terça-feira, 24 de novembro de 2009

Toque da noite: VIII

A Lua tinha acabado de nascer na noite. Um vento fraco acariciava o espanta espíritos que estava pendurado junto à porta das traseiras. Os gémeos, filhos do senhor Manuel, brincavam com expressões sérias, com os seus carros telecomandados no quintal da casa de Tatiana. A luz forte que iluminava todo o quintal provinha de uma lâmpada que estava por cima da porta. Era uma luz clara que contrastavam com o tom amarelado dos candeeiros da rua.
Um vulto do outro lado da cerca que limitava o quintal mexia-se vagarosamente. Escuro como a noite camuflava-se na perfeição. Os gémeos não o notaram, continuavam a sua corrida de carros. Ele parecia apenas mais uma sombra na noite. Maria sentiu um arrepio nas costas e disse aos gémeos para voltarem para casa. Mas parecia que eles não tinham ouvido. Teresa apareceu junto à porta.

- Está na hora de se irem deitar.
- Oh mãe! Já? – Resmungou um deles, sem tirar os olhos do seu carro.
- Deixa-nos acabar a corrida. – O outro levantou os olhos e fixou-a. – Por favor?
- Ok. Só mais cinco minutos e depois vão lavar os dentes. – Teresa voltou a entrar em casa. O vulto moveu-se novamente. Maria voltou a pedir aos gémeos que fossem para casa. Mas nenhum deles reagiu à sua presença. Ela tentou ver quem era o vulto, mas a escuridão venceu-a. Ela não conseguiu distinguir mais nada a não ser os contornos do que parecia ser um individuo corpulento, provavelmente um homem.
- Queres saber porquê? – Uma voz grossa disse num sussurro. Calma e distante, a voz parecia desvanecer-se ao terminar a pergunta. Os olhos de Maria esbugalharam-se e o seu coração batia selvaticamente no peito. Era o vulto que tinha falado. E de repente, um conjunto de sussurros imperceptíveis, de diferentes vozes, se juntara. Os mesmos sussurros que a assombraram antes, a mesma voz familiar. Em sonhos que premeditavam um desaparecimento e possivelmente uma morte.
- Queres saber porquê? – Repetiu aquela voz. Tão calmamente como antes. Maria sentiu lágrimas a escorrerem no seu rosto. Num choro silencioso, ela fixou os gémeos, que inocentemente brincavam com os seus carros, possivelmente esquecidos da desgraça que recentemente se abateu sobre a sua família.
- Eles são apenas duas crianças. Não os leves a eles. – Maria soluçou. O vulto permanecia num movimento suave, em torno da vedação. Imperceptível para quem não permanecesse algum tempo a olhar na sua direcção.
- Queres saber porquê? – Repetiu, no mesmo tom, e desvanecendo-se da mesma maneira. Maria engoliu em seco, sabendo que não podia fazer nada a não ser responder.
- Sim. – O vulto aproximou-se de Maria, envolvendo-a numa escuridão, mais profunda do que a noite. Mas nem assim, conseguiu distinguir uma forma do vulto. Quando voltou a ver luz, era uma manhã. Ela estava sentada num carro familiar, no meio dos dois gémeos, no banco de trás. Manuel ia no lugar do condutor e Teresa ao seu lado. Falavam animadamente sobre uma surpresa que iam oferecer a Tatiana no dia de anos dela.
- Ela vai adorar. Já falei com a coordenadora e tudo. Os pais deram permissão. E ela pode levar duas pessoas como companhia. – Disse Teresa. Depois virou-se ligeiramente para trás. – Meninos, isto não é para contar à vossa prima. Vai ser uma surpresa para ela.
- Está bem! – Disse um dos gémeos.
- Nós não vamos contar. – Completou o outro gémeo. Eles brincavam com os bonecos miniaturas de heróis de acção. Maria sentia pequenas correntes frias, quando os gémeos metiam as mãos dentro dela. Ela era como um fantasma naquele cenário. Um medo percorreu-lhe o sentido. Era óbvio o que ia presenciar naquele momento. Manuel guiava pacientemente e estava numa conversa calma e animada com a mulher. Os gémeos brincavam, mas não faziam nenhum barulho que pudesse distrair Manuel e a sua condução. Como é que o acidente podia ter ocorrido? A estrada tinha sido arranjada recentemente, com uma nova camada de alcatrão. Maria ficou atenta no caminho.
Mas, de um momento para o outro, um grande cão de guarda correu para a estrada. Ao aperceber-se Manuel tentou desviar-se e acabou por sair da estrada. Derrapou com a travagem repentina e um enorme sobreiro pareceu aproximar-se do carro. Manuel tentou desviar o carro para a direita, mas era tarde de mais. Maria fechou os olhos e colocou os braços em frente da cabeça num reflexo. Um grande estrondo soou, todos os corpos foram impulsionados para a frente. Maria nunca tinha tido um acidente de viação, ela estava congelada com o terror e a forma como cada imagem que passava na sua frente parecia ser em câmara lenta. Quando voltou a abrir os olhos, o grande sobreiro tinha amolgado quase na totalidade o carro do lado do condutor, Manuel parecia quase esmagado no assento, com a face encostada ao encosto do acento comprimido pelo volante. Teresa estava desmaiada ao seu lado, um fio de sangue escorria desde a testa até à boca, uma das pernas tinha desaparecido no emaranhado de metal. Maria olhou para o lado para ver os gémeos. Um deles, o que estava por detrás do banco do condutor, estava encolhido no assento, com as pernas junto ao peito, parecia ter-se safado do aperto que o banco da frente estava a fazer contra o de trás. Mantinha os olhos fechados e estava a chorar freneticamente. O outro gémeo, também parecia ter desmaiado. Tinha um ferimento no lábio, parecia ter-se mordido com o impulso da travagem. Maria olhou para ela, estava intacta, aparentemente. Tentou tocar no gémeo que chorava, mas foi-lhe impossível, a mão com que lhe queria tocar, atravessou-o.
- Mãe! Mano! Pai! – O gémeo que estava consciente gritava. Ninguém lhe respondeu. Ele, banhado de lágrimas, tacteou pelo assento e pegou no que parecia ser uma pequena bolsa. Tirou de dentro um telemóvel e ligou para alguém. – Avó! – Ele gritou no que pareceu ao mesmo tempo ser um choro. Ouviu-se uma voz alarmada do outro lado. – Tivemos um acidente! Acho que estão todos mortos! – O rapaz chorou ao telemóvel. Ficou a chorar por um bocado. Ele tentou abrir a porta, puxando e empurrando, mas ela nem se moveu. – Despacha-te avó! Eu não consigo abrir a porta.
O miúdo continuou a chorar, e de quando em quando ele chamava pela família, dando um toque no irmão que nem se mexia. Passado algum tempo chegou ajuda. Conseguiram retirar os gémeos sem dificuldade, um deles ainda se mantinha inconsciente. Pouco depois também conseguiram tirar a mãe deles, também ainda inconsciente. Maria assistiu a tudo, lavada em lágrimas e aterrorizada com aquelas imagens. Ela ficou paralisada no lugar do carro.
- É por isso. – Ouviu aquela voz novamente. Os sussurros começaram a encher a sua cabeça, o som das conversas dos que estavam a socorrer começaram a diminuir. Viu-se novamente junto à vedação que limitava o quintal. Ao lado do vulto, observando os dois miúdos a brincar. – Ele viu o cão a correr em direcção à estrada muito antes do condutor. E não disse nada. – Sussurrou a voz. – Assistiu à sua morte e saiu totalmente ileso. – Maria contorceu o rosto com horror e tentou visualizar o vulto. Tentou detectar uma cara. – É por isso. – Voltou a sussurrar a voz.
- Mas é uma criança. Tem apenas 10 anos, ele não podia adivinhar que isso ia acontecer. – Maria gritava de raiva. Teresa voltou a aparecer.
- Já passaram mais de cinco minutos. Já são dez horas e um quarto. Cama, já! – Teresa não estava chateada, o brilho que ela costumava ter quando falava tinha desaparecido todo. Agora era mais uma voz monótona, com expressão apática que comandava os filhos.
Os gémeos foram buscar cada um o seu carro. E Maria viu o vulto elevar-se no ar, sob o céu estrelado. Maria gritou.
- Não! Não faça isso! Ele é só uma criança! – O vulto ignorou os gritos de Maria. O coração dela batia com muita força, quase que lhe doía o peito. Sentiu um formigueiro nas pernas, as mãos a tremerem e num instante ela estava na sua cama.
- Oh não. – Maria disse para consigo, numa voz controlada. Estava toda transpirada, e sentia a pressão no peito, das batidas frenéticas do seu coração. Ela foi até à casa de banho lavar a cara. Foi até ao quarto da avó, mas esta dormia que nem uma rocha. O único movimento visível, era o movimento respiratório, o peito subia e descia, por baixo dos lençóis. Maria voltou para o quarto, eram quatro horas da manhã. Sentou-se na cama e apenas chorou.