domingo, 23 de maio de 2010

Emancipação

Flui em mim a energia outrora conjugada,
Banhada pela luz da Lua,
Numa vitória classificada como ousada,
Mas que jamais será tua.

Junto das criaturas solitárias,
Eu esqueci as minhas origens,
Julgada pelo abandono,
Ali as encontrei, as energias.
Como se fossem puramente virgens,
Oferecendo-me o seu trono.

Com a vibração da Terra,
Com a mente cheia de conforto,
Olhei em redor, para as pedras,
E vi que nada estava morto.

Tudo emanava a sua própria energia,
Todos os seres e pedaços tinham um calor próprio.
Senti uma enorme alegria,
Porque aquela noite, nada tinha de sombrio.

Corri pelo meio da ceara recém-nascida.
Senti-me como uma criança inconsciente,
Perdida naquela imensa corrida,
Desejando que não fosse uma ilusão da mente.

O vento passou pelos meus cabelos,
Agitando-os ao seu sabor.
Agradável fervor, que não vou perdê-lo.
Como um formigueiro, como um calor.

Conheci assim esta outra realidade,
À qual me dedico com lealdade.
Não procuro afectar ninguém,
Apenas explorar as minhas opções,
E dar resposta às minhas questões.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Gotas de Longevidade VIX


À noite, quando se deitou, voltou a sentir ansiedade. Aquela velha sensação que é capaz de deitar qualquer um a baixo. Levantou-se e ficou a deslumbrar o seu reflexo no espelho. Rezou, com toda a fé que possuía, para que no dia seguinte não sofresse mais nenhum rejuvenescimento. Pensou em não dormir, mas o cansaço falou mais alto.
Cristina levantou-se cedo para visitar Elisabete, na morada que lhe indicaram. Bateu à porta de uma grande casa, enriquecida por um grande jardim com uma escultura do que parecia ser uma rocha que libertava uma mini cascata de água.
- Bom dia. – Disse uma mulher, na casa dos trinta, com feições um tanto masculinas e de nariz afiado. O cabelo enrolado num rabo-de-cavalo frisado. – Nós não estamos interessados em comprar nada.
- Bom-dia! Eu não sou uma vendedora. Eu estou aqui por causa de um frasco com água benta milagrosa. – A mulher pareceu não compreender.
- Desculpe?
- O nome Lúcia Rebelo diz-lhe alguma coisa? – A mulher abriu a boca de espanto.
- Lucy? És tu?
- Não. Eu sou a filha. Cristina. – A mulher desviou-se da porta, um tanto atrapalhada.
- Oh. Entre, entre.
- Obrigada. – Cristina entrou. A casa esta ricamente decorada. Sentaram-se as duas num grande sofá de pele creme. – A minha mãe tomou as gotas do frasco que a senhora lhe enviou. Ela tem rejuvenescido da noite para o dia. Principalmente nestes últimos três dias. Já passou por aparências desde os setenta, cinquenta e agora parece uma rapariga de vinte anos. – A mulher abriu os olhos de espanto, e levou as mãos à boca.
- Não, não, não. – Ela chegou-se mais perto de Cristina. – Eu escrevi explicitamente que não devia tomar mais de uma gota por mês.
- Eu não sei se ela tomou mais de uma …
- Era a única maneira de passar pelo processo de rejuvenescimento tão depressa! – Ela continuava aflita.
- Qual é a consequência?
- Uma gota representa um ano, se ela tomou mais de dez gotas num mês, vai morrer. Ela vai desfazer-se até à última célula. Imagine o processo em que é criado o bebé. Todo o desenvolvimento do feto no ventre materno, desde a primeira célula. Ela vai passar por isso, mas de forma revertida e muito mais acelerada. No máximo de uma meia hora à noite.
- Oh meu Deus. – Cristina chorou. – Há forma de evitar isso?
- Não que seja do meu conhecimento. – A mulher baixou o olhar e apertou as mãos, ansiosa. – Disse que hoje parecia uma rapariga de vinte anos?
- Não, isso foi ontem. – Cristina levantou-se.
- Já a viu hoje? – Cristina abanou a cabeça. E saiu disparada da casa. Guiou com excesso de velocidade e passou alguns sinais vermelhos. Estacionou em cima da relva na entrada da sua casa e correu pelas escadas acima, até ao quarto de Lucy. Abriu a porta de rompante e percorreu o quarto com os olhos. Estava vazio. Os lençóis da cama estavam enrugados, puxados para cima até á almofada. Cristina puxou o lençol para baixo. A cama estava vazia, há excepção de um anel que estava quase debaixo da almofada. Era um anel de ouro, com um diamante. Era o anel que o pai de Cristina deu a Lucy, depois de saber que tinha um problema grave de coração, para que ela se lembrasse que o amor deles era para sempre. Lucy nunca o tinha tirado desde o dia em que o marido lho colocou no dedo.
Cristina pegou no anel, sentou-se na cama e chorou a perda da mãe.

Fim

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Gotas de longevidade: VIII

Antes de irem visitar o médico, Lucy fez questão de comprar mais roupa, algo que lhe servisse. Alguns rapazes, demasiado novos para ela, na sua perspectiva, faziam-lhe olhinhos e sorrisos sugestivos. Não pode deixar de se sentir envergonhada com o quão directos eram os rapazes, nada disso acontecia no seu tempo. Mas não deixava de se sentir lisonjeada e vaidosa. Numa das lojas, quando Carlos pagava a conta. A mulher que estava na bancada lisonjeou-o por ter uma filha tão bonita. Lucy não pode conter um risinho. Carlos respondeu:
- Saiu à mãe.
Quando foram ao médico, tiveram que marcar presença como se fosse a filha de Lucy a ir ao médico.Quando Lucy entregou os seus documentos a mulher que estava ao balcão olhou para ela com ar sério.
- Acho que se enganou nos documentos. – Depois disse com tom irónico. – Ou isso ou tomou banho nas termas da juventude.
No médico não foi diferente.
- Vá lá, Cristina. Não goze comigo desse jeito. Já nos conhecemos há tantos anos.
- Mas é a verdade. – Disse Lucy.
- Minha querida. Eu não posso negar que tenha alguns traços semelhantes à Dona Lucy, mas daí a fazer-me crer que é a Dona Lucy. – O médico riu. – Então é neta da Dona Lucy?
- De maneira nenhuma. – Disse Lucy já aborrecida. – Anda Cristina, filha. Eu estou a sentir-me bem. Eu disse que não havia necessidade de virmos. – O médico riu novamente.
- E também sabe falar como a Dona Lucy. – Parou de rir. – Eu tenho ai pessoas à espera de consulta que realmente precisam de mim. O dia das mentiras foi anteontem, parece-me que estás um pouco atrasada.
- Mas doutor. Eu estou a dizer a verdade. Faça um teste de ADN e confira se é verdade ou não.
O médico acabou por se aborrecer com elas e foram expulsas do consultório. Cristina olhou para a mãe com tristeza.
- Querida, eu estou bem. Não precisamos mais de vir ao médico. – Depois olhou para trás. – Muito menos para este. Que mal-educado!
- Isto só comprova o que eu lhe disse. O que lhe está a acontecer não é natural.
Voltaram para casa. Cristina conseguiu encontrar uma morada para a Elisabete Andrade. No outro dia de manhã ela iria fazer uma visitinha a essa mulher para saber o que se estava a passar.
Lucy foi novamente com os netos ao parque. Mas desta vez brincou com eles nos baloiços e só não andou nos escorregas porque não era próprio para uma rapariga de saia. Junto ao parque infantil, há um parque de Skate, geralmente cheio de rapazes. Os seus dois netos olhavam-na com curiosidade, vendo-a atrapalhada com um ou outro piropo que lhe mandavam. Um rapaz alto e loiro foi até ao parque infantil para meter conversa com Lucy.
- Olá! – Disse-lhe o rapaz enquanto se encostava ao poste do baloiço. Lucy continuava a empurrar o baloiço da neta.
- Olá. – Respondeu-lhe com pouco entusiasmo.
- Notei que às vezes ficas a olhar ali para as minhas manobras. – O rapaz esboçou um sorriso travesso. – Já alguma vez experimentaste andar de skate.
- Não. Não tenho idade para isso. – Ela ia dando ligeiros empurrões nas costas da menina que se divertia com o balanço. O rapaz riu.
- Como não tens idade? – Ele pousou o skate no chão, colocando um pé em cima deste. – Não me pareces muito mais velha que eu.
- Que idade tens? – Lucy olhou para ele séria. – 16 ou 17?
- Não. Eu tenho 18.
- É quase o mesmo. – Os seus netos olharam-na com curiosidade. – Em vez de andares ai aos pulos em cima dessa geringonça devias estar a estudar em casa. Não me parece que daqui a uns anos isso te ponha a comida na mesa. – O rapaz ficou a olhar para ela. – E devias saber que é impróprio meteres-te com uma mulher acompanhada de duas crianças!
- Credo! Pareces uma velha a falar! Foste criada nalguma escola de freiras?
- Não. – Lucy colocou as mãos nas ancas. – E não te ponhas com insinuações em relação às freiras! São pessoas dedicadas…
- Já percebi! Não queres falar comigo tudo bem! – Ele virou as costas, calcou o pé no skate e apanhando-o e colocando-o debaixo do braço. Indo-se embora, fazendo um círculo com o dedo indicador perto da testa para os amigos, dando um assobio mudo. Para indicar aos amigos que a rapariga não era boa da cabeça.
- Viste querida? – Disse para a neta. – Quando fores crescida e um destes rapagões se meter contigo e tu não quiseres tens que te dar ao respeito. – A rapariguinha riu.




Peço desculpa pela demora deste ultimo post, tenho tido dificuldades em gerir o meu tempo.
Mas não esqueci o meu blog, e claro nem dos meus leitores/as.
Este será o penultimo episódio de "Gosta de Longevidade", o ultimo está para breve, aguardem....
=D