- Mais uma vez uma excelente actuação. – Disse um homem de longas barbas brancas.
- Obrigada maestro. – Ela guardou o violino na mala de transporte.
- Foi magnífico. – Disse uma mulher, gorducha, que se aproximou dela e lhe tocou levemente no antebraço. – Não vai já embora, pois não?
- Receio que sim. Hoje estou-me a sentir um pouco indisposta. – Ela disse, enquanto pegava na bolsinha chique e procurava o seu casaco no cabide.
- Mas está doente? – Perguntou a mulher. – Parece que a noto um pouco pálida.
- Devo ter apanhando um resfriado. – Ela dirigiu-se à saída. – Vejo-a para a semana. Boa noite. – E saiu, deixando o maestro e a mulher a olhá-la.
- Espero que ela melhor depressa. – Disse o maestro. A mulher acenou com a cabeça.
Lá fora nevava. Era pleno Inverno. Um manto tranquilizante cobria toda a cidade, iluminado pelas luzes nocturnas. Ela carregou no botão para destrancar o carro, colocou a mala do violino no banco ao lado, junto com a bolsinha e apertou o cinto. Encostou a cabeça durante uns segundos no encosto. Doía-lhe a cabeça. Rodou a chave e guiou em direcção a casa. A cabeça doía-lhe de forma esgotante, ela lutava para se manter atenta à estrada escorregadia. Então estacionou numa das ruas. Respirou fundo de impaciência, tudo o que ela queria agora, era chegar a casa e tomar uma aspirina.
Talvez seja melhor chamar um táxi. Pensou para consigo. Tacteou à procura do telemóvel na bolsinha. E ligou. Muitas estradas estavam cortadas devido ao excesso de neve, o táxi ia demorar a chegar, visto ter que dar uma grande volta para chegar até ela. Voltou a colocar o telemóvel na bolsa, impaciente.
Basta manter os olhos bem abertos. Pensou. Dentro de dez minutos estarei em casa. Voltou a rodar a chave e pôs-se a caminho. A dor pulsante de cabeça era irritante. A sua impaciência crescia. Acelerou um pouco. Mas foi uma má opção. Na primeira curva o carro derrapou e foi contra uma montra.
- Estes eram os únicos pertences no carro da sua mulher. – Disse o guarda. Entregando a bolsinha, a caixa do violino e alguns documentos que estavam no porta-luvas. Um homem loiro, de olhos ensonados e muito vermelhos pegou nas coisas. Ele olhou para a caixa do violino e lágrimas surgiram-lhe nos olhos. Uma mãozinha pequena agarrou-lhe a mão. Uma menina de cabelo cor de fogo, liso, com grandes olhos verdes olhou-o. Também ela chorava.
- Não te preocupes querida. – Ele disse. – A mamã foi para um lugar melhor.
- Então, porque também estás a chorar papá?
- Porque já estou com saudades da mamã. – E levou a menina para casa. Uma vez em casa, deito-a na caminha cor-de-rosa. – Dorme bem, meu anjo.
Era como se lhe tivessem roubado metade da sua alma. Um vazio mortal preenchia parte do seu coração. Ele nunca mais a poderia ouvir tocar para ele. Ele nunca mais a iria ouvir rir. Ele nunca mais ia sentir o calor dela, nos dias em que chegava tarde do trabalho e se enroscava nele. Ele nunca mais ia poder cheirar o perfume dos seus cabelos fogosos. Foi até à sala, onde ela costumava praticar. Tirou o violino da caixa e colocou-o no suporte. Ficou a olhar para ele por um longo tempo, até que se deixou de dormir no sofá. Era um sonho tão realista. Ele estava no sofá e ela tocava violino para ele, sorrindo-lhe.
- Papá! – Chamou a menina, dando um toque no seu braço. – Papá!
- O que foi querida? – Ele acordou, desiludido por aquele sonho ter durado tão pouco. Tentou endireitar-se e sentiu uma dor nas costas. – Foi má ideia o pai ter-se deixado de dormir no sofá.
- Papá! – Ela repetiu, olhando arregalada para o pai.
- Sim?
- Tiveste a tocar violino?
- Como assim, fofinha?
- Eu ouvi alguém a tocar violino. – Ela disse. – Parecia mesmo a mamã.
- Meu anjinho! – Ele puxou a menina para o seu colo. – Quando sentimos muito amor por uma pessoa e temos saudades, por vezes a nossa mente faz-nos uma surpresa. E deixa-nos sentir o cheiro dessa pessoa e, às vezes, ouvir essa pessoa.
- Tu não ouviste papá? – A menina olhava para o pai, com os olhos muito abertos. Ela era demasiado parecida com a mãe. Tanto que lhe causava mágoa, por o fazer lembrar a beleza da sua mulher. Mas ao mesmo tempo, ele amava aquela menina. Era a única coisa preciosa que lhe restava agora na sua vida. Ele abraçou-a.
- Não, não ouvi. – Ele levantou-se com ela ao colo. – Mas sonhei com a mamã. Ela estava a tocar violino para mim. – A menina sorriu. – Agora vais dormir. Foi um dia demasiado longo. – A menina deu um beijo na bochecha do pai e enrolou-se nos lençóis.
Ele foi até ao seu quarto, ia tentar dormir um pouco. Mas quando se sentou na cama e se preparava para dormir, ele ouviu um choro familiar. O choro do violino da mulher. Os olhos abriram-se-lhe e ele pulou da cama. Parecia tão real. O corredor estava escuro, ele caminhou devagar em direcção à sala. Quanto mais se aproximava, mais intenso o choro era. Aquela melodia, intensa, que ela treinara todos os dias do ultimo mês. O coração dele começou a bater intensamente. Como podia ser aquele som, fruto da sua imaginação se era tão intenso? Ele aproximou-se da sala, passo a passo, lentamente. E abriu a porta de repente, acendendo a luz ao mesmo tempo. A sala estava vazia. Não havia mobília suficiente para esconder uma pessoa. Ele levou as mãos à cara e chorou. Mas, ele sentiu um odor familiar. Ele aproximou-se do violino e esse odor intensificou-se. Era o perfume que invadia os cabelos cor de fogo da sua mulher. Tão intenso que parecia mesmo que ela estava ao lado dele. Ele tocou no violino com a mão. E olhou em redor na sala. Sentiu uma calma a envolve-lo, sentiu um calor agradável. Olhou em direcção ao ar condicionado, mas estava desligado.
Foi-se sentar no sofá. Ele não tinha sido o único a ouvir o violino. A filha também tinha ouvido. Sentiu-se perto da mulher que amava, não sabia se era fruto da sua imaginação, se uma resposta ao desgosto da morte da mulher. Mas ficou ali sentado, por que a conseguia sentir. E quer fosse ilusão ou não, era tudo o que ele podia ter naquele momento, que mais se assemelhava à companhia dela.
venho acompanhando seu blog, muito bom seu conto, vc me lembra alguem ! bjs
ResponderEliminarObrigada.
ResponderEliminarQuem é que eu lembro?