Morre-se em cada dia, sem se aperceber. Tornamo-nos
mais velhos, a experiência endurece-nos. Mas no fundo, mantemos aquela
criança ingénua dentro de nós. Podemos ser como uma rocha moldada ao
sabor dos elementos naturais, ou simplesmente nos podemos deixar tocar
pela erosão, onde nos é arrancado friamente cada pedaço. O que nos
define? A nossa escolha, a liberdade cega e tão questionada. Eu escolho.
Quero mimar a criança, mostrar-lhe felicidade, simplicidade, bondade?
Ou quero alimentar a velha, com teimosia e rudeza? Olho nos rostos que
me cruzam, cada um com sua cruz, com sua infelicidade, porque deixaram o
velho apoderar-se deles. Mas e eu? Serei também assim? Ou tomarei as
rédeas de minha realidade, amolecendo o coração, alimentado a vivacidade
entusiasta da criança que vive em mim?
Cada lágrima que percorre o meu rosto, fruto de
incerteza ou medo, lava-me… Emana a existência de uma menina pequenina
que se tornou mulher em corpo, mas que permanece em alma.
Aceitar a vida tal como a maioria não é opção.
Batalhar incessantemente contra aquilo que me faz crer mas não creio, é a
minha luta pela criança que há em mim. Deitam-me abaixo, mas eu
levanto-me e confronto com um sorriso, porque sei que também há uma
criança assustada algures em seus olhares. Rudeza não me assusta, eu
própria a vivi. Sorrir pode doer, mas dessa dor nasce a força que pode
mudar o dia de qualquer um.
Não temo o amor, nem a dor. Eles se interligam
sadicamente. Manter a simplicidade, previne a amargura, porque a
incerteza nasce ao deixar-se morrer a criancinha que um dia olhou o
mundo como algo novo, simples mas misterioso e mágico. Por isso escolho
ver o mundo com olhos de menina. Sorrio para o desadequado, para o
perverso e para o maldoso, porque vejo medo. Algures nesse corpo sádico,
há uma criança assustada e uma velha rezingona, ambos lutando por seu
lugar. Qual delas ganhará?
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