terça-feira, 15 de setembro de 2009

Toque da noite: III

A campainha tocou freneticamente. Uma onda de excitação passou por Tatiana. Ela correu em direcção à porta, disfarçando quando passou pela sala de estar, para não chamar a atenção da sua mãe. Abriu a porta sem espreitar para ver quem era.
- Bom Dia J… Maria?
- Não estavas mesmo nada à minha espera.
- Nada mesmo. Entra. – Maria entrou e cumprimentou a mãe de Tatiana, que estava a costurar na sala. Depois foram enfiar-se no quarto de Tatiana. – Tenho novidades. – Tatiana esparramou-se de barriga para baixo na sua cama, balançando a sua longa trança aloirada.
- Conta. – Maria deixou-se enterrar no grande puff verde.
- Ai. – Tatiana guinchou de excitação. – Ontem o João teve cá em casa quase o dia todo. A mãe dele veio ajudar a minha, e ele veio ver a mota nova do meu irmão. E acabou por ficar cá e almoçar.
- E é esse o motivo dessa excitação toda?
- Não. – Tatiana sentou-se na cama. – Nós agora andamos. – Maria ficou calada com um meio sorriso na cara. – Não dizes nada?
- Estás a gozar?
- Estou a falar a sério. – Maria pulou para o lado de Tatiana e abraçou-a. Tatiana ria que nem uma tonta.
- Há anos que gostas dele… como é que isso aconteceu?
- Da forma mais natural. – Tatiana tinha muita expressividade nos seus grandes olhos castanhos. O que tornava fácil para Maria perceber a quantidade de emoções com que Tatiana lidava no momento. – Acabámos por ficar sozinhos na garagem e uma coisa levou à outra. Quando dei por mim já estava agarrada a ele.
- Valha-me Deus. Tu saíste-te cá uma tarada. – Tatiana riu e deu uma pancada forte com uma almofada a Maria.
- Eu não sou tarada. – Maria riu também e pegou noutra almofada e lançou-a fortemente em direcção das costas de Tatiana. – Ok. Já chega. Esta trança deu trabalho a fazer.
- Que croma. – Maria pousou a almofada. E encarou a sua amiga. – Estavas à espera dele quando eu entrei.
- Sim. Ele vem-me buscar logo depois de almoço. – Tatiana pegou na almofada e apertou-a., enquanto se sentava na cama com as pernas cruzadas. Virando-se totalmente de frente para Maria. – Vamos até ao jardim.
- Quem diria. Tu e o João. – Maria girou a sua posição, também de modo a ficar de frente para Tatiana. Mas com uma perna debaixo da outra que caía de lado na cama. – Eu sempre soube que não ias ultrapassar essa paixoneta que tens por ele há anos. Mas nunca pensei que ele correspondesse alguma vez.
- E é. – Tatiana voltou a sorrir. Ela quase que parecia brilhar de felicidade. - Ele não disse que andávamos propriamente. Mas depois de me beijar nós ficámos sentados naquele banco de jardim que eu tenho na garagem, abraçados. – As bochechas dela ficaram subitamente vermelhas. – O meu irmão acabou por aparecer. O João ficou meio envergonhado e largou-me. E acho que o Tiago topou tudo.
- Ele tem sempre um bom sentido de oportunidade, não tem?
- É, o Tiago tem um faro apurado para os momentos mais inoportunos. - Maria riu e Tatiana também.
- Ele não está em casa?
- Está na garagem. Desde que comprou a mota que não para de a limpar, ou fica simplesmente a olhar para ela. E vou-te avisar. É melhor afastares-te dele quando está junto à mota, senão dá-te uma seca sobre motas.
- Vou ter em conta isso quando sair.
Tatiana não podia estar mais feliz. Ela ia tagarelando sobre a sua mais recente relação, mas Maria só ouviu cerca de metade do que ela disse. O dia estava quente, embora o ar condicionado tornasse o ambiente do quarto de Tatiana agradável. Tecas, a gata cinzenta de Tatiana ronronava enquanto Maria a acariciava na barriga.
Uma batida forte fez-se soar na porta do quarto.
- Sim. – O pai de Tatiana, o senhor Paulo entrou no quarto.
- Tens que te vestir. Vamos até à cidade.
- Porquê? – Tatiana perguntou distraidamente, enquanto os seus dedos voavam pelo teclado, discando uma longa despedida no Messenger.
- O Manuel teve um acidente enquanto ia a guiar. Ia com a mulher e os filhos.
- Eles estão bem? – Maria pulou da cama, assustando a gata.
- Parece que foi muito grave. Foram de urgência para o hospital. – Tatiana já se tinha levantado e tirado a mala do cabide. Colocou lá dentro o telemóvel, a carteira e enfiou o nariz no guarda-fato. – Os miúdos estão bem. Mas o Manuel está em estado muito crítico e a Teresa também não está no seu melhor estado.
- Então temos que nos despachar. – Tatiana empurrou o pai para fora do quarto. – Deixa-me mudar de roupa. – O senhor Paulo, girou rapidamente e foi-se embora. – Eu não acredito nisto. O tio Manuel é tão cuidadoso a guiar. – Tatiana dizia, enfiando uma blusa castanha de alças. – A tia Teresa deve estar em choque. Ela traumatiza-se tão facilmente.
- Pelo menos os gémeos estão bem. – Os primos de Tatiana levavam o tempo na casa dela, por isso Maria estava bem familiarizada com os dois. E não podia deixar de estar preocupada com o que poderia ter-lhes acontecido.
Maria foi para casa com a promessa de Tatiana que ia dando notícias do sucedido. A avó Medina ficou muito preocupada com o acidente. Ela conhece o senhor Manuel desde que ele era uma criança.
- Deus queira que melhor rapidamente. – Ela disse com a sua voz rouca. – Aquele rapaz é o pilar daquela família. Imagina se fica incapaz de trabalhar? Como é que a Teresa vai sustentar os filhos?
- Ela arranja um emprego avó. – Maria disse, enquanto colocava a mesa para o almoço.
- Hoje em dia já não é como era dantes. Os empregos estão cada vez mais difíceis de se arranjarem. – A velhinha desligou o fogão e colocou duas conchas de sopa em cada um dos pratos. – Ela não vai ter mão naqueles pestinhas quando crescerem. Ela é demasiado branda com eles. – Maria riu. – É verdade. Tu sabes que aqueles dois diabretes estão sempre a armar das boas. Eles precisavam eram de um belo par de açoites. – Maria não pode evitar de dar uma gargalhada. A avó Medina era sempre exagerada no que toca à educação. Ela sabia-o bem, porque em pequena ainda levou alguma tareia da avó. Ou por não fazer caso dela, ou por se escapar às escondidas com a Tatiana e o Daniel, quando em pequenos, sozinhos para a ribeira.

- Deixe lá avó. A Teresa sempre tem a família para ajudar.

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