sábado, 16 de outubro de 2010

A História Do Lobisomem (Parte IV) Final

Com o decorrer do tempo, com as narrações do povo. Curiosos que mal conseguiam explicar calmamente suas teorias, suas crenças encaixadas nas suas histórias do lobisomem. A população mais jovem começou a acreditar que o senhor Carmo era mesmo um lobisomem.

Certo dia, Matias deu de caras, novamente com o Lobisomem, junto ao minimercado.

- Olhem! É o Lobisomem! – Gritou. E começou a correr junto com os seus amiguinhos, estranhamente na direcção da casa do senhor Carmo.

O Senhor Carmo continuou indiferente, crianças e suas baboseiras nunca o incomodaram. Mas a caminho de casa, enquanto levava o pesado saco das compras na mão. Começou a ser abalroado por pequenas tangerinas, algumas já podres.

- Lobisomem! – Gritavam as crianças por detrás de um muro. – Vai para casa. Hoje não há Lua! – Irritado ele apressou o passo, praguejando baixinho.

- Pchhhht! – Disse um velho. – Mas que é isto? – Gritou para as crianças. – Então agora atiram tangerinas às pessoas! – Ralhou aos miúdos.

- Ele é um Lobisomem não é uma pessoa.

- Mas que disparate! – Gritou o velho. – Querem que eu vá contar aos vossos pais? – O velho esticou um dedo ossudo a Matias. – Olha que o teu pai dá-te um excerto de porrada igual ao daquele dia em que partiste a minha caixa do correio!

Matias saltou do muro e foi-se embora, começando a correr quando se apercebeu que o senhor Carmo olhava para ele cheio de fúria. As outras crianças foram atrás dele.

- Bom dia Carmo! – Cumprimentou o velho. – Não lhes ligue. Eles não passam de miúdos facilmente impressionáveis.

- Eu sei senhor Mendes. Se não eu não estaria aqui parado.

Não era novidade que o medo crescia por parte dos mais novos. Alguns miúdos quando tinham que passar por casa do Senhor Carmo, corriam por medo de que ele os visse e tentasse fazer alguma coisa. Os mais velhos estavam divididos. Pessoas mais entregues às suas crenças religiosas e tradições antigas de família tinham tanto medo do lobisomem como as crianças. Outros achavam simplesmente que não passavam de histórias tolas, inventadas por quem não tem nada que fazer.

Mas, independentemente das histórias, o que realmente incomodava a vizinhança eram as saídas a altas horas da noite com os cães, deixando diversos dejectos nos passeios da rua. Várias pessoas tiveram problemas de manhã ao dar com cocós junto às entradas das suas casas. Situação desagradável que levou a que os vizinhos se reunissem e votassem em alguém para falar com ele sobre o sucedido.

Não foi surpresa para ninguém quando o homem mais velho do bairro se ofereceu para falar com o senhor Carmo. O velho Mendes ergueu a sua mão esquelética e tremida como oferta a voluntário da proposta. Com alguma dificuldade caminhou até à entrada da enorme casa do senhor Carmo, com ares de antiga e misteriosa. Seus olhos fixaram-se nas enormes janelas fechadas, como se não houvesse lá ninguém, mas ele sabia que algures lá dentro havia um homem de pijama dormindo na sua cama. A moradia parecia abandonada, não fosse pelo canil ter tantos cães bem tratados.

Várias vizinhas, espreitavam de suas próprias janelas, vendo o homem de corpo tão frágil subindo os pequenos degraus. Elas não queriam acreditar como alguém tão frágil tinha tanta coragem em pisar sequer aqueles degraus.

Quando parou junto à porta carregou no botão da campainha, três vezes. Eram cinco horas da tarde e depressa apareceu o homem à porta, extremamente despenteado e em pijama abriu-lhe uma fisga da porta, apenas para espreitar.

- Boa tarde Carmo! – Disse o velho. – Vejo que te acordei. – O homem ensonado procurou abrir mais os olhos para ver melhor quem lhe falava. Ao ver a figura curvada de sorriso terno, endireitou-se e abriu a porta, de modo a que o pudesse ver melhor. O senhor Carmo era um homem robusto e alto, de aparência descuidada, não admirava as crianças terem medo dele.

- Boa tarde! Em que o posso ajudar?

- Bem. Estou aqui a pedido da vizinhança. Ali, os teus meninos têm deixado muitas recordações nas ruas e em algumas entradas. – Ele olhou atento para a zona do canil. – As pessoas estão um bocado incomodadas com a situação e gostariam que tivesses um pouco mais de cuidado e atenção com os cães.

- Compreendo. – Ele olhou para os cães, inexpressivo. – Terei mais cuidado da próxima vez. Eu realmente não me lembrei desse pormenor. Na minha outra casa eu não tinha que me preocupar com estas coisas.

- Vivia nalgum meio mais rural, algum monte?

- Sim. Eu vivia com o meu irmão no monte que herdámos de nossos pais. Lá para os lados de Arronches. – Ele sorriu, nostálgico. – Nós mantemos o monte e desenvolvemos um projecto no ramo do turismo rural. Mas depois ele casou e eu achei melhor mudar-me.

- Não me diga que é o monte do Vale do Lobo?

- É esse mesmo. – O velho riu, vendo alguma ironia no nome do monte e na história que dava fama ao homem que estava na sua frente.

- Tem tido bastante sucesso pelo que tenho ouvido. – O velho Mendes lembrando-se de um grupo de turistas ingleses que uma vez lhe perguntaram onde ficava o tal monte. – Você ainda trabalha lá?

- Às vezes. Vou lá ver como corre o negócio. Fico com parte dos lucros e contribuo na gestão. – Ele olhou novamente para os cães. – Mas por agora ando metido noutro ramo.

- Ai sim? – O velho mostrou-se interessado. – Isso tem a ver com as suas saídas nocturnas?

- Tem. – Carmo riu. – As crianças pensam que sou um lobisomem porque ando sempre com os cães atrás. Mas na verdade vou trabalhar. Sou caçador furtivo. – O sargento e o cadete voltaram a trocar olhares. – Vou à caça durante a noite e entrego as minhas caçadas em restaurantes da zona. – O sargento e o cadete começaram a rir-se.

- Como a imaginação das crianças é fértil. – Disse o cadete. Ele mesmo envergonhado de ter pensado que as actividades nocturnas do senhor Carmo eram de desconfiar.

A população ficou a saber, nessa mesma tarde que o senhor Carmo era caçador furtivo. Fazia sentido. Tal como o cadete Augusto muitos sentiram-se envergonhados por começar realmente a acreditar na história. Mas ainda assim, alguns não acreditaram, continuando a desconfiar do homem de aspecto descuidado, que sai quase todas as noites com a sua matilha. Acreditam que essa é apenas uma maneira de disfarçar as suas verdadeiras actividades nocturnas.

FIM

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