Durante o Verão. Paulo e Leonor decidiram passar as férias na quinta. Havia coisas para serem arrumadas e organizadas. Maria também insistiu para que ficasse lá pelo menos até ao final do Verão, queria ficar com os amigos e poder aproveitar mais um pouco a quinta.
Por muito estranho que lhe parecesse, a morte da avó não lhe deixou nenhum buraco no coração. Ela amou-a da melhor forma que sabia e sentia que a avó continuava viva algures. Ela não conseguia acreditar que a vida acabava com a morte. Não depois do que testemunhou e viveu. Por isso confortou-se com as lembranças dos bons momentos e a esperança de que um dia a iria reencontrar.
Mesmo depois de ter partido, a avó Medina continuou a surpreender. Descobriram um Peugeot 206 preto dentro da garagem. Maria nunca se tinha dado conta que estava ali. Aquele era provavelmente o carro que a avó lhe ia oferecer. Mas por respeito ao falecimento da avó decidiu que só o guiaria quando terminasse o Verão, ou seja, quando fosse para a faculdade e fosse mesmo necessário.
Foi um Verão difícil para Leonor. Não podia trabalhar e não havia praia nas redondezas. Ainda foi alguns dias com Maria e os amigos dar uns banhos de sol para a ribeira. Mas não se atreveu a mergulhar, pois acreditava que podia ser mordida por uma cobra de água ou pisar um Lagostim sem querer.
Paulo ocupou a maioria do seu tempo com actividades de carpintaria. A casa precisava de ser pintada, mas acabou por sofrer melhorias em outros aspectos. Um ajuste no corrimão das escadas, a porta das traseiras chiava e foi mudada. A horta deixou de ser uma horta, embora Paulo se esforçasse para que esta continuasse a parecer-se com uma.
No fundo as férias desse Verão acabaram por ser de luto e uma recuperação do tempo perdido da relação pais/ filha.
Leonor conversava sempre entusiasticamente sobre Daniel a Maria. Ela quase que chorava quando a via com ele a conversarem ou simplesmente a saírem a qualquer lado. Ela dizia para Paulo que era porque lhe custava ver como a filha estava crescida. Paulo não lhe respondia, apenas sorria. Mas no fundo ele culpava-a por não terem passado mais tempo com a filha. Por outro lado, também sabia que não devia revolver num assunto tão delicado quanto esse, pois só iria trazer mais mal-estar à família.
No final do Verão. Quando Maria pareceu estar mais bem-disposta, Daniel tomou uma decisão. Em parte também influenciado por João. Sim. O João e o Daniel começaram a falar mais, embora ainda discutissem um bocado. Mas pode-se ver essas discussões como se fossem entre dois irmãos. Afinal eles conhecessem-se desde que se lembram dos começos das suas vidas. E o facto de saírem mais vezes, desde que o João começou a namorar com Tatiana e que têm mais saídas em grupo, também ajudou a que a relação entre eles deixasse de ser só discussões. Embora ainda permaneça uma forte competitividade entre os dois. Quer seja a pescar, a jogar dardos, matraquilhos, consola, o que quer que seja…
Mas, quanto à decisão de Daniel. Ele apercebeu-se de que se não aproveitasse para contar naqueles momentos os seus verdadeiros sentimentos por ela, poderia não ter outra oportunidade. Ele ainda não sabia se ficavam perto quando entrassem para a universidade. Por isso numa das últimas tardes das férias de Verão, ele convidou Maria para ir jantar a sua casa. Claro que Leonor deu logo permissão à filha, mesmo que Paulo não gostasse muito da ideia.
Maria ficou surpreendida por ver que ia jantar a sós com Daniel.
- A minha mãe hoje foi ajudar a Teresa lá a casa numas arrumações. – Ele justificou-se.
- Oh. – Maria seguiu para a cozinha, mesmo sem Daniel lhe dizer nada. – Então é melhor eu dar uma ajuda com o jantar.
- Não precisa. A minha mãe deixou praticamente tudo pronto. – Ele disse enquanto a seguia até a cozinha, coçando a cabeça envergonhadamente. Maria riu.
- Vais sentir saudades disso quando fores para a universidade! – Ela voltou-se para ele, num rodopio elegante.
- Vou sim. – Daniel foi para a sala e Maria seguiu-o. – Tens fome? – Maria olhou para ele, numa careta engraçada.
- Ainda não. Mas também é um bocado cedo para jantar. – Ela sorriu. – Quero dizer, ainda são seis da tarde.
- Tens razão. – Ele atirou-se para o sofá.
- Está tudo bem? – Maria sentou-se devagar a seu lado.
- Sim. Porque perguntas?
- Parece-me que estás um bocado nervoso…?
- Eu? Nervoso?
- Sim. Eu sei. Por isso deves estar a ver porque é que eu estou a achar isso estranho.
Daniel não riu, mas tentou parecer mais relaxado.
- Não me parece nervosismo. – Ele endireitou-se no sofá, virando-se de maneira a ficar mesmo de frente para Maria. Ela também rodou um pouco. E chegou-se para mais perto dele.
- Então conta lá o que é. – Ela sorriu simpaticamente. Ele sentiu-se vacilar com aquele sorriso. Prestes a perder a coragem para lhe contar o que tinha a contar.
- Bem… - Voltou a passar a mão pela cabeça, quase como se fosse coçar.
- Vá, diz lá. – Maria deu-lhe um toque na perna. Foi como um choque de adrenalina. O seu coração começou a bater mais rapidamente. E era-lhe difícil olhar nos olhos dela sem se sentir perdido e com vontade de desistir, com medo de que ela não o olhasse mais daquela maneira.
- Conto-te depois do jantar.
- Oh! Porque não dizes agora?
- Porque é um assunto delicado e não posso ser interrompido. – Maria riu. – O que foi?
- Um assunto delicado? – Ela riu com mais vontade. Só o riso dela fazia-o sorrir também.
- Dá-te graça que eu fale de assuntos delicados?
- Mais ou menos.
Os olhos dela eram a coisa mais bonita que ele podia alguma vez ter visto. A forma como se ria era tão suave, que parecia que ele estava num qualquer mundo dos sonhos em que nada podia correr mal. Os seus caracóis bem definidos caiam-lhe sobre o rosto prolongando-se pelos ombros e às vezes descaindo sobre o peito, quando numa qualquer altura ela não os puxava para as costas. Num movimento que parecia ser feito em câmara lenta. Uma imagem que o marcava e fazia sonhar de como seria tocar os seus cabelos. Mas para além do seu ar angelical, ela era inocente e não conhecia qualquer tipo de maldade nela. Mesmo que ela tivesse aqueles sonhos e vivido aqueles momentos diferentes, ela sempre lutara por aquilo que lhe parecia mais correcto e se por algum motivo o fizesse contra os seus princípios, a sua consciência assombrava-a por muito tempo. Ele queria poder estar a seu lado todos esses momentos. Ele sentia-se tão fraco a seu lado. Como se todo o seu coração pudesse ser amolecido e que acordasse para os sentimentos dela. Porque na verdade, nestes últimos tempos, quando ela está em sofrimento, ele está em sofrimento. Quando ela sorri, ele tem que sorrir. Quando ela está feliz, ele está nalgum tipo de paraíso. Era ela que o fazia ter medo, palpitações, ansiedade… era dela que ele queria estar ao lado.
Passaram o final da tarde a falar sobre diversas coisas. Na sua maioria coisas relacionadas com a Universidade. Expectativas e medos. Mas fez-se a hora de jantar e puseram a mesa.
Depois de terem posto a mesa, Daniel ainda pensou em colocar algumas velas, mas desistiu da ideia. Isso, provavelmente, só a iria assustar.
- Não há como negar. A tua mãe é uma excelente cozinheira. – Maria tinha acabado de comer o último pedaço de bife panado.
- Espero que tenha herdado o gene. – Maria riu. – Para sobremesa. – Daniel levantou-se e foi até à cozinha. – Tenho gelado de leito com chocolate e caramelo. E tenho … - Daniel remexia no congelador do frigorífico. – Gelado de frutos vermelhos.
- Pode ser o de chocolate. Onde tens as taças? – Maria levantou-se e foi em direcção ao armário da loiça.
- Na prateleira da direita, no meio.
Enquanto comiam o gelado. Maria voltou a tentar insistir na conversa que tinha ficado pendente.
- Já estamos quase acabar de jantar….já podias contar. – Ele sorriu, nervosamente.
- Ainda falta o quase…
- Vá lá. – Maria insistiu olhando-o nos olhos com ar pedinte. Daniel engoliu depressa demais um pedaço de gelado que tinha acabado de colocar na boca, sentindo-o descer até ao estômago. – Não vai haver interrupção. Podemos arrumar a loiça depois.
- Não! Deixa que eu depois arrumo.
- Discutimos isso depois. – Maria colocou na boca a colher com um pedaço de gelado. Daniel evitou olhar para ela. Mas encheu-se de coragem para lhe contar. – Agora conta lá o que se passa.
- Ok. – Colocou a sua tigela vazia de lado. Maria ainda continuava a comer o seu gelado. – Vai-me custar dizer-te isto. Até porque andei o ano todo para contar. E ainda um bocado do outro ano anterior.
- Eia! Vais-me contar um segredo? – Maria riu e colocou de lado a sua tigela, agora também vazia.
- Mais ou menos. Não é segredo nenhum. – Daniel levantou-se. – Vamos para a sala, é mais confortável. – E a sala de jantar era pequena, pelo que lhe dava a sensação de sufoco. E a pulsação acelerada também não ajudava.
Sentaram-se de novo no sofá em que tinha estado antes. Porém, Maria estava mais próxima dele que antes. Daniel olhou para ela e pensou:
“Mas que… acho que é mais fácil dar-lhe um beijo do que estar com conversa”.
Maria chegou para perto dele, curiosa sob o que ele lhe ia contar.
“É isso. Falo-lhe sobre os meus sentimentos depois … se for preciso.”
Daniel aproximou-se de Maria, como se lhe fosse contar um segredo muito baixinho. Mas ambos sentiram que não era isso que ia acontecer. A inclinação e a respiração acelerada eram indicadoras óbvias da grande onda de êxtase que passava por eles. Os seus rostos aproximaram-se lentamente, as suas respirações eram sentidas nos rostos um do outro.
Maria apertou as mãos que pendiam a seu lado. Ela sabia que todas as suas duvidas em relação aos sentimentos de Daniel iam agora ser-lhe esclarecidas. Ela pendeu sob ele, como se uma força magnética a puxasse, contra todos os seus pensamentos, que no momento estavam congelados e ela deixava-se levar pelo sentimento. Os olhos dela olhavam fixamente para os lábios de Daniel, levando a olhá-los como nunca antes. Pensando em como seria tocá-los, beijá-los…
Daniel sentiu que ela também se inclinava sob ele. Para além de sentir todos os seus pelos a eriçarem-se, ele estava hipnotizado pela beleza dela e também os seus olhos se prenderam á visão dos lábios de Maria. Carnudos e grossos. Tão bem desenhado, fazendo a sua boca tão apetecível. Sentiu como se fosse morrer naquele momento. Um sentimento tão diferente de todos os que sentiram alguma vez na sua vida. E mergulhou num beijo. Fechando os olhos e segurando o rosto de Maria com as duas mãos, para que ela não lhe pudesse escapar, naquele momento, que parecia tudo menos real.
Maria sentiu o choque. Mas era um choque agradável, muito agradável. Também ela fechou os olhos ao contacto. Quando sentiu as mãos de Daniel tocarem o seu rosto, ela esticou as suas em direcção à cintura dele. Sentindo-o chegar-se mais perto dela.
Sentiu tantas coisas ao mesmo tempo e nenhuma delas desagradável. Esqueceu tudo o que Tatiana lhe contara, todas as histórias de como seria se ela e Daniel namorassem. Esqueceu todas as tristezas e preocupações. Era só ela e ele. Parecia que estava a perder a respiração e o fôlego. Mas descobriu algo. Algo que lhe passara pela cabeça antes, mas que ainda não tinha certezas. Ela não gostava de Daniel. Ela tinha outro tipo de sentimento mais forte que nunca pensou poder ter por alguém. Ela amava-o com todo o seu coração. Pensou ainda se aguentaria tamanha felicidade que estava a sentir naquele momento. Tanto que as lágrimas lhe começaram a escorrer nos olhos
Daniel apercebeu-se da humidade que sentiu nas mãos. E o seu coração congelou. Acordando daquele estado quase hipnótico que entrara naqueles segundos. Largou o rosto de Maria e afastou o seu rosto. Maria permaneceu com os olhos cerrados. E ele pegou nas mãos dela, aflito ao ver as suas lágrimas.
- Maria desculpa! Eu não queria magoar-te! Eu só achei que seria a melhor forma de te mostrar o que sinto… Eu não encontrava as palavras certas para te explicar o que eu… - Daniel estava aflito e as palavras enrolavam-se um bocado. Mas acalmou-se quando ela abriu os olhos e sorriu para ele. Ela apenas sorria. Chegando mesmo a sentir-se como uma tontinha.
- Maria…? - Ele estava sério. Confuso. – Porque estavas a chorar? – Ela não lhe respondeu. Sorrindo como ele nunca a vira sorrir.
Ela aproximou-se dele e abraçou-o. Daniel acabou por sorrir também. Abraçando-a com ternura.
- Tu sabes que eu sou muito sentimental. Choro quando estou triste, enraivecida, feliz e … apaixonada! – Daniel não quis acreditar no que ouvia. Segurou-a nos ombros afastando-a de si. Sorrindo.
- A sério? – Maria acenou com a cabeça. Limpando as lágrimas. Daniel ajudou-a. Passando um dedo por debaixo das grossas pestanas escuras de Maria. – E eu que estava a morrer para te contar e que…
- E que o quê?
- Deixaste-me ansioso e com medo. Não sabia que reacção esperar de ti.
- Eu já desconfiava um bocado. Do que sentias por mim. – Maria encostou-se a Daniel. Colocando o rosto junto ao pescoço dele, olhando para as suas mãos entrelaçadas. – Eu também não sabia como ia reagir, até agora. – Daniel sorriu e beijou-lhe a testa.
- Isso quer dizer que nós…? – Ele começou por dizer.
- Sim. – Maria endireitou-se, olhando entusiasmada para ele. – A não ser que não queiras. – E olhou de novo para as mãos entrelaçadas. Daniel levantou-se e puxou-a para junto dele.
- É melhor irmos dar as novidades.
- Sim… - Maria saltou-lhe para os braços enquanto se dirigiam para a porta. Eles esqueceram-se por completo da loiça suja.
Era esse o ingrediente que faltava...
ResponderEliminarÉ verdade, como já comentaram antes, tu tens uma boa capacidade de descrever os momentos e as emoções em redor desses momentos.
bj
ps. - quando é que vais postar os outros contos?
Quão profundo e belo?*.*...Você nos faz sentir dentro da cena, com as palpitações e tudo mais...
ResponderEliminarComo eu já disse, escreve muito bem e com originalidade, meu eternos parabéns!
E quanto a história, estou facinada por ela, não há como descreve *.*
bjkz
╬♥╬
mt bom!!!!!
ResponderEliminar´qd sai o proxm??
^^ Obrigada!
ResponderEliminarQuanto ao ultimo capitulo...vou coloca-lo agora...