O relógio marcava agora uma da manhã. Uma mãe chorosa era incapaz de falar com as autoridades. Tatiana e Daniel contaram que num momento estavam a ver o filme e no outro a criança tinha desaparecido. O gémeo, não dizia nada, confuso e ensonado estava abraçado à tia. Maria manteve a mesma história que Tatiana e Daniel, tentando encenar uma súbita amnésia.
- Não tem mais nada a acrescentar que possa ter alguma relevância sobre o paradeiro do rapaz? – Perguntou um homem gordo e atarracado, mexendo um espesso bigode por cada palavra que pronunciava.
- Não. – Disse Maria, com os braços cruzados.
- Muito bem. – O homem anotou qualquer coisa no bloco de notas. – Está dispensada. – Virou-lhe as costas e dirigiu-se para um colega que observava a varanda do quarto onde tudo se passara.
Daniel estava ao lado de Tatiana, tentando confortá-la. Mas uma visão ao longe fê-lo distanciar-se. João apareceu do meio da rua, com cara de quem tinha estado nos copos com os amigos. Tentando acompanhar o passo apressado de Tiago. Tatiana correu para os braços de João assim que o avistou e contou tudo ao irmão e a ele.
- Ele está podre de bêbado! - Resmungou Daniel quando chegou perto de Maria.
- Tu não te lembras mesmo de nada? – Disse Maria num sussurro, aproximando-se de Daniel.
- Não. – Daniel ficou meio atordoado com o cheiro do seu perfume, com a proximidade dela. – Mas lembrar do quê? – Maria ficou agitada.
- Não posso contar aqui. – Ela olhou em redor, para os vários agentes que investigavam o local e faziam questões aos vizinhos e moradores da casa. E começou a afastar-se.
- Maria…? – Daniel foi atrás dela. A curiosidade tinha-o possuído, bem como a preocupação.
- Eu não posso ir para casa agora. Ia acordar a minha avó e… não estou preparada para lhe contar o que se passou. – Daniel caminhou ao lado dela, ouvindo-a. - Vai ser uma noite longa. – Maria encostou-se a um poste da luz. Longe da confusão da casa, inclinou a cabeça ligeiramente para trás. Daniel ficou a olhá-la. Maria parecia tensa, parecia estar demasiado enrijecida. Tinha os olhos fechados, mas as mãos tremiam, bem como a sua mandíbula.
- Maria? – Daniel aproximou-se dela. Ela não respondeu. – Maria? – Ele chamou-a mais alto, e agarrou-lhe os braços. Ela estava a escorregar pelo poste, como se subitamente tivesse ficado sem força nas pernas. – Diz-me o que se passa.
- Eu não sei se vou aguentar por muito mais. – Maria disse numa voz vazia, como se estivesse a pensar alto. Daniel baixou-se e sentou-se atrás dela, também encostado ao poste. Daniel não lhe disse nada. Várias possibilidades lhe passavam pela cabeça, na tentativa de dar resposta ao que acabara de “testemunhar”.
- Ele desapareceu tal como previste, mas nós não vimos nenhum vulto, nenhuma sombra. Os sacos de rosmaninho e canela estavam no mesmo sítio, tudo parecia normal. – Daniel falou numa voz calma. Estava verdadeiramente convencido que o miúdo tinha saído por vontade própria. Ele tinha estado distraído com a sua PSP, Maria estava na rua, Tatiana e o outro gémeo estavam atentos aos desenhos animados. O miúdo podia ter passado por eles sem se aperceberem. Só repararam no seu desaparecimento quando Maria regressou e abriu a porta.
- Exacto, parecia tudo demasiado calmo. – Maria enrolou o cabelo com a mão e prendeu-o por baixo do gorro do casaco que vestia. – Eu… - Daniel esperou por uma continuação. – Eu vi tudo. – Fez-se um silêncio. – Eu vi aquela coisa nojenta a entrar no quarto…Eu… - Virou-se para Daniel. Ele não lhe dizia nada. – Deves achar que eu me passei de vez. – Maria levantou-se. – Mas eu estive frente a frente aquilo. Tal como tu e a Tatiana… E não sei como. O tempo pareceu andar para trás e vocês esqueceram-se de tudo o que viram.
- Eu não acho que estejas maluca. Eu só acho que devias ter mais cuidado.
- Uhm?
- Maria nós estivemos todos no quarto, não saímos uma única vez depois de teres ido apanhar ar. Não vimos nada entrar. O que tu dizes não faz muito sentido para mim…– Maria expirou com força.
- Na verdade os factos estão todos contra mim… - Ela olhou-o com olhos apelativos. – Eu sei que é difícil acreditar.
- Sim. E devias ter mais cuidado, evitar estar sozinha quando te sentes num momento desses…de maior tensão. – Daniel tentava ser delicado com a forma como lhe dizia as coisas. Ele sabia que não podia prolongar muito mais a aparência de acreditar que tudo o que Maria lhe contava se passava realmente.
- Pensas que estas coisas que eu tenho. Estes sonhos que me falam de pessoas que vão desaparecer, e acabam por desaparecer mesmo, são fruto de momentos de tensão? – Daniel acenou com a cabeça. Os olhos de Maria humedeceram-se. – Onde é que eu tinha a cabeça ao pensar que tu ias acreditar em mim? – Disse, sentindo-se vencida. – É difícil de acreditar, mesmo eu questionar-me-ia senão tivesse tanta certeza do que vi.
- Mas eu acredito em ti… Acredito que para ti isto seja real, acredito que tu acreditas que aquilo que me contaste se passou mesmo. – Daniel aproximou-me mais dela. – Só acho que na verdade não o é. E que precisas que alguém te ajude a compreender isso.
- E esse alguém és tu? – Ela sentiu o sarcasmo na sua voz e sentiu a cabeça às voltas. Era uma noite cheia de experiencias em excesso. Na noite em que o avô desapareceu, ela lidou com a situação da melhor maneira que pode. Mas sempre contou com o apoio das amigas. Agora, com este desaparecimento, em que ela tinha alimentado expectativas de que podia haver uma hipótese, embora remota, de impedir que isso acontecesse, ela deparava-se com um amigo céptico. Que lhe revelava, agora, naquele momento em que ela precisava de apoio, que não acreditava que aquilo que ela contava pudesse acontecer na realidade.
- Maria, tens que ser compreensiva. Não é uma situação em que…
- Eu sei. Eu sei que estou mais sozinha que nunca. Quando somos incompreendidos, a solidão que provem disso é muito mais insuportável… – Os olhos estavam lavados em lágrimas. Tentava desembaraçar-se do toque de Daniel. Alguns soluços começavam a ouvir-se.
- Eu estou a ser compreensivo na medida do razoável… – A sua voz era agora um pouco mais receosa, tensa. Ele tentou tocar-lhe novamente, um toque de conforto. Mas Maria deu um esticão ao braço, para que ele não lhe tocasse.
- Eu estou farta disto. Todos estes anos tive que levar com esta porcaria. Tive que levar com a frieza da minha mãe, com a sua ignorância. Porque ela acreditava que eu estava possuída. – O tom de voz estava ao aumentar. Daniel olhou em redor. Era uma e meia da manhã, a maioria das pessoas estava mais preocupada com a GNR perto da casa de Tatiana do que com o que eles estavam a falar. Ou simplesmente dormiam. – O meu pai acabou por me enviar para um sítio, o mais longe possível, para que não o fizesse passar vergonhas. As pessoas que eu avisava do que se ia passar gozavam comigo. E quando desaparecia o ente querido de que eu avisei que ia desaparecer, acusavam-me, consideravam-me suspeita ou uma bruxa. E eu simplesmente calava-me, tentava ser “compreensiva” para com as suas perspectivas. – Maria fez um gesto de aspas com os dedos, quando se referiu a compreensiva. – Porque poderia pensar que alguém ia ser mais compreensivo agora? Se após estes anos todos, a compreensão não esteve do meu lado. – Daniel achou melhor ficar calado. – Até as minhas amigas que me dizem compreender, no fundo me temem… – Maria limpou as lágrimas. – É melhor voltarmos. - Virou-lhe as costas e foi para casa de Tatiana. Daniel seguiu-a mas não lhe disse mais nada durante o resto da noite.
Demorei um bocado a postar porque tenho tido uns problemas no pc, mas já está tudo resolvido. =D
Ah! Que bom que está de volta!!!!*...*
ResponderEliminarPobrezinha...Nunk me vi incompreendida no misticismo, mas já incarei a falta de compreenção da diferença, é realmente "o limite humano"
Vou para o próximo, bjkz
╬♥╬