O vento fresco soprava de mansinho. E os gémeos brincavam no quintal com carros telecomandados, que sabe-se lá como, Tatiana lembrou-se de lhes oferecer. Fazendo com o cenário tivesse cada vez mais similaridades com o sonho de Maria, deixando-a em sobressalto.
Tiago dava toques numa bola de futebol, numa espécie de competição com João.
- Tu não me digas que convidaste o teu namoradinho. – Resmungou Daniel para Tatiana.
- Mas que parvo! – Ela fez-se parecer aborrecida. – Vocês deviam deixar essas parvoíces de infância para trás. – A expressão de Daniel endureceu. – Não, ele tinha umas coisas combinadas com os amigos. O Tiago também vai com eles. – Ela ficou preocupada. – Vamos ter que ficar sozinhos. – A bola de futebol escapou até junto de Maria. Ela chutou-a de volta para Tiago. João mandou uma piada qualquer sobre miúdas a chutar bolas, mas ela ignorou por completo. Tiago riu com vontade e Daniel não pode conter um pequeno sorriso.
- Ainda os tentei convencer a ficar, mas parecia que estava a ficar desesperada… - Chegou-se mais perto de Maria e Daniel. Sussurrando. - … e não quis falar do assunto. Quero dizer. Ia passar por louca e assim quanto menos gente estiver, menos perigoso será.
- É. Não sabemos quão perigoso isto vai ser. – Maria sentou-se numa cadeira que estava junto à porta que dava acesso ao quintal.
Começou a ficar tarde. Tiago e João foram para o seu encontro de amigos. Tatiana levou os gémeos para cima, para começar a maratona de filmes animados. Teresa continuava com um aspecto fragilizado, cansado e deitou-se logo. Dando as boas noites aos filhos com um beijo na testa a cada um e um até amanhã sumido ao resto do grupo.
Tatiana e os gémeos riam que nem uns perdidos envoltos na magia dos filmes da Disney. Contudo, Tatiana estava numa luta interna violenta para se manter animada para as crianças. Tentando esquecer a situação e focar-se nos filmes.
Maria e Daniel estavam sentados perto da varanda. Ele jogava na PSP, relaxado e encostado no puff, movendo-se extasiadamente consoante o nível que ultrapassava no jogo. E ela ficava atenta às cortinas corridas, alertando-se com qualquer ruído que pudesse ser exterior ao filme. Estava um ambiente leve, parecia que só ela se preocupava com tudo o que poderia acontecer.
Maria olhou para o relógio, eram onze horas e quarenta e sete minutos. Ela sentia que estava muito perto do limiar de perder a calma, mas lembrava-se dos gémeos e não queria que eles ficassem assustados, principalmente porque era a primeira vez que os via rir com vontade depois do acidente.
Subitamente, Maria deu um pulo no seu puff, uma batida forte fê-la quebrar o seu raciocínio. Repetiu-se ao fim de alguns segundos. Mais ninguém pareceu notar.
- Não ouviste nada? – Perguntou a Daniel, dando-lhe um toque no braço. De novo se fez ouvir a batida.
- Para além dos risos deles e dos efeitos sonoros do filme?
- Sim! – Maria estava de pé. Captando a atenção de Tatiana, que foi ter com ela. A batida ouviu-se com mais intensidade.
- Ok. Se te estavas a referir a isto, agora ouvi. – Daniel pôs-se de pé.
- O que foi? – Perguntou Tatiana. A batida repetiu-se.
- Ouvis-te? – Tatiana acenou.
- O que fazemos? – Perguntou, ficando um pouco agitada.
- Mantém-te calma para começar. Não deve ser nada de mais. – Disse Daniel.
- Vai para perto dos gémeos. – Disse Maria. – Fica atenta a algum sinal que façamos.
Maria pegou numa raquete de ténis que estava junto à varanda. A batida repetia-se num espaço de segundos. Era alta e pesada, a cada som dela o seu coração parecia desequilibrar-se, embora batesse freneticamente. Daniel pegou na outra raquete, impossivelmente calmo, na perspectiva de Maria. Era necessário, alguém manter a calma, para pensar mais correctamente. Pensou. Espreitou por entre as persianas. A noite estava escura, ela só conseguia ver as sombras da noite submersas na luz amarelada dos candeeiros da rua. O quintal estava vazio, as árvores agitavam-se calmamente com o vento. As batidas pareciam não aumentar de volume. Ela esforçou a vista para tentar ver na escuridão da noite, que engolia toda a paisagem traseira do quintal. Quando sentiu uma mão no ombro, fazendo com que saltasse em sobressalto e soltasse um leve grito. Ridículo, se não fosse naquela situação. Daniel riu.
- Eu sei de onde vêm as batidas. – Disse em tom de gozo. – Vem cá. – Tatiana e os gémeos olhavam para Maria. Os gémeos pareciam divertidos com a cara assustada de Maria. Tatiana estava apreensiva e muito atenta a qualquer sinal. Foram à casa de banho. Da janela era visível a casa do vizinho. Uma mulher agitava um cobertor de inverno, da varanda da sua casa.
- Quem é que se lembra de fazer isso de noite? – Resmungou Maria. – Ainda nem está frio para usar aquilo!
– Daniel estava divertido. – Escusas de estar a gozar comigo. Eu não tenho o dom de manter a calma como tu.
Voltaram a sentar-se nos puffs. Maria fez sinal a Tatiana de que estava tudo bem. Ela respirou fundo e com dificuldade voltou a adoptar o papel de prima divertida.
Maria voltou a olhar para o relógio, eram agora onze horas e cinquenta e cinco minutos. Abraçou as suas pernas sentindo-se muito tensa. Daniel não voltou a pegar na PSP, colocou um braço em redor dela, tentando confortá-la. Ela segurou com uma das mãos, a mão de Daniel.
O tempo arrastava-se, lento como uma lesma. Maria estava paciente, embora se sentisse um pouco intimidada ao sentir a proximidade de Daniel. Eles eram amigos a algum tempo, mas nunca tinham estado assim. Sentados em puffs, meio que abraçados um ao outro por tanto tempo.
- Eu vou lá fora um pouquinho, preciso de apanhar ar. – Disse Maria enquanto se levantava e desembaraçava do braço de Daniel, de forma calma.
- Estás bem? – Ele sussurrou.
- Só um pouco nervosa. Já passa. - Ela estava assustada com o que poderia encontrar nessa noite, mas a ansiedade possuía agora de tal maneira que parecia adivinhar algo ruim. Daniel quis ir com ela, mas ela recusou a sua companhia, argumentando que era muito mais importante a presença dele junto aos gémeos.
Lá fora, um vento suave e abafado dançava por entre as árvores. O espanta espíritos tocava uma leve melodia com o bater dos ferrinhos. O seu cabelo encaracolado esvoaçou e ela semi-cerrou os olhos, tentando revelar o que as sombras da noite escondiam. Olhou o céu, algumas nuvens escondiam a bonita cúpula estrelada, mas a Lua mantinha-se visível, num fraco banhar de luz. Maria voltou a olhar o relógio, faltava exactamente um minuto para a meia-noite. Ela sentou-se num dos bancos do quintal, continuando atenta a qualquer movimento invulgar.
Ao fim de uns segundos o vento cessou. Maria endireitou-se no banco. Ao longe, os cães da vizinhança pararam de ladrar. A luz dos candeeiros pareceu perder um pouco da intensidade. Olhou para a varanda que dava para o quarto onde Daniel, Tatiana e os gémeos se encontravam. Tudo parecia estranhamente calmo. Maria voltou a sentir o peso do medo. Olhou em todas as direcções do quintal, não esquecendo o céu. No alto, as nuvens começaram a movimentar-se ferozmente, como empurradas por uma forte ventania que não chegava ao solo. A Lua ora estava escondida, ora estava à mostra.
Maria levantou-se, com a intenção de avisar os amigos de que o momento estava a chegar. Ela sentia-o. Mas antes que o pudesse fazer, os temíveis sussurros que ouvira em sonhos, voltaram. Um mar de sussurros que a fez congelar.
- Tu já sabes porque. – A voz grossa, calma e distante atravessou, por meio de um sussurro, um pouco mais audível que os outros.
- Não! – Maria disse, fraca e ainda congelada pelo medo. As nuvens agitavam-se agora circularmente no céu. O vento voltou. Desta vez com mais intensidade. Como se tivesse sido lançado desde o céu para o centro do quintal. O cabelo de Maria balançou sintonizadamente com o monte de poeira que se levantou do chão. Ela olhou para cima. Daniel estava agora de pé, olhando atonitamente através da janela. Maria acenou-lhe com a cabeça. Daniel voltou a focar-se na grande nuvem de pó que rodava, como um pequeno tornado que nascia a partir do chão. Folhas secas misturavam-se-lhe. A roupa que estava presa na corda, ameaçava soltar-se a qualquer momento.
- Um menino pequenino. Sem poder escapar. Vai ouvir o meu sino. Quando eu acabar de cantar. – Cantou a voz, sarcasticamente no seu tom negro e grosso. Maria voltou a olhar para a varanda, onde uma sombra descia na direcção desta. Ela gesticulou o máximo que conseguiu para captar a atenção de Daniel. Mas ele continuava a olhar para o remoinho.
- Ah! – Gritou frustrada. E correu para dentro de casa, em direcção ao quarto. Quando chegou à porta do quarto, não a conseguiu abrir. Bateu então com força.
- Tatiana! Daniel! Ele está junto à varanda. – Não obteve resposta. Apenas ouvia os sussurros e a voz grossa cantando a mesma estrofe sem parar. Tentou entrar no quarto dos pais de Tatiana. A porta também estava trancada. Gritou por eles, mas da mesma maneira não obteve resposta. Voltou para a rua. O remoinho parecia ter aumentado de intensidade, tornando a visibilidade difícil. Maria voltou-se para a varanda. Pode ver Daniel na frente do vulto, de boca aberta e com uma expressão horrorizada. As portas da varanda estavam escancaradas e era visível que o vento assolava o quarto de Tatiana. Maria pegou no saquinho com a mistura de rosmaninho e canela que tinha no bolso. Olhou em volta e com dificuldade conseguiu distinguir uma escada no outro lado do quintal. Correu na sua direcção e carregou-a até junto da parede, com bastante dificuldade. O vento parecia ter estabilizado na sua intensidade. A sombra tinha entrado completamente no quarto de Tatiana. Maria encostou a escada e subiu. Aquela estrofe era irritante e não ajudava nada com os nervos.
- Daniel usa os sacos! – Maria gritou quando entrou no quarto. Mas Daniel e Tatiana já tinham os sacos, alguns deles rotos por terem trespassado aquela sombra. Tatiana estava em frente dos gémeos, numa posição protectora, maternal. Os gémeos encolhiam-se atrás dela, chorando, abraçados um ao outro. Daniel ia dando um passo atrás cada vez que a sombra se aproximava dos gémeos, chegando a encostar-se a Tatiana, que também chorava.
- Pára!! – Gritou Maria para a sombra. O vulto moveu-se virando-se de frente para ela. Não havia um rosto, era uma enorme massa negra de forma humanóide. A sua voz grossa ficou em silêncio por segundos. Os sussurros cessaram.
- Um menino pequenino. Sem poder escapar. Vai ouvir o meu sino. Quando eu acabar de cantar. – Disse numa voz sonora, quase cavernosa, grossa e um pouco roca. Ao terminar a estrofe os sinos da igreja tocaram, marcando a meia-noite. Um rosto começou a formar-se na massa negra. Maria sentia que as suas pernas iriam ceder a qualquer momento. Uns olhos, um nariz e uma racha de boca formavam-se, até que se pode distinguir um rosto. A massa negra tinha adoptado uma face familiar. A de Maria.
- Há coisas com as quais temos de viver. Esta vai ser uma dessas coisas para ti. – Aquela voz grossa, que de maneira nenhuma podia ser associada a um rosto tão angelical, pareceu ainda mais maligna que das outras vezes. – Daniel tentava escapar com as crianças, enquanto a criatura estava de costas para ele. Maria tentou ganhar mais tempo para que eles conseguissem escapar.
- Porque é que me fazes isto? – Gritou Maria, para que pudesse ser ouvida por cima do zumbido do vento. – Porque me mostras as pessoas que vais matar? – O rosto daquela estranha que estava na sua frente, pareceu divertido. – Porquê? – A sombra não lhe respondeu, moveu-se suavemente em direcção a Daniel. A porta continuava trancada e eles não tinham conseguido sair. Tatiana ia correr em direcção aos gémeos.
- Hora de dormir. – Disse a voz grossa. Tatiana levitou no ar. Impulsionada por uma força invisível, como se fosse um boneco muito leve. Foi deitada na sua cama, posicionada na sua forma de dormir mais comum e pareceu desmaiar.
- Tati… - Maria sussurrou. A sombra voltara a ser uma massa negra, desfazendo o rosto clone dela. Daniel de braços abertos estava na frente dos gémeos. Mas, tal como Tatiana, foi impulsionado, num voo estranho e rápido, para junto de Maria. Ela agarrou-o antes que caísse no chão. Ele parecia incapaz de se manter em pé, apesar de estar consciente.
- Maria…eu não me consigo mexer. – Maria teve que desistir e encostá-lo a um puff. Daniel era demasiado pesado para ela aguentar. Maria não conseguiu responder. Olhou na direcção dos gémeos. Eles mantinham a cabeça baixa, abraçados e chorando. Ela foi em direcção a eles. Metendo-se entre a sombra e os gémeos.
- Não podes fazer nada… - Sussurrou a sombra. Maria ignorou e colocou-se na frente dos gémeos. Ela sentiu um frio rodeá-la, à medida que a sombra se aproximava. O medo estava agora estagnado, porque a preocupação de Maria pelos gémeos era superior. Daniel assistia a tudo, semideitado no puff, frustrado pela sua incapacidade de se mover, por estar a assistir aquilo e não poder fazer nada.
- MARIA!!! – Gritou enraivecido.
A sombra cobriu Maria e os gémeos. Maria pode sentir dois bracinhos quentes rodearem-lhe as ancas. E num segundo um desses braços desapareceu, tal como o frio. A escuridão que arrebatara a sua visão uns segundos antes desaparecera. Como se tivesse sido sugada pela janela. Um dos gémeos permanecia de pé, junto à porta, com um braço em redor da anca de Maria e o outro no ar, que caiu levemente. O rosto assustado da criança olhou em redor. Maria observou o quarto, a sombra tinha desaparecido. Sentiu uma sensação de formigueiro por todo o corpo. E à frente dos seus olhos pode ver uma mudança brusca de cenário. Estava agora no quintal, olhando para o céu. As nuvens estavam imóveis. O vento continuava a soprar levemente. A luz dos candeeiros da rua tinha agora a mesma intensidade. Maria olhou para a varanda, não estava lá ninguém.
- Mas que…? – Maria correu para o quarto de Tatiana. Conseguiu abrir a porta e entrar. Estavam todos nos lugares em que se encontravam quando tinha abandonado o quarto para ir apanhar ar, excepto um.
- Mano? – Perguntou um gémeo, que estava sentado na cama ao lado de Tatiana. – Para onde foi ele?
- Oh não! – Tatiana pulou na cama. – Maria?
- Não conseguimos. – Disse ela com os olhos cheios de lágrimas. – O rosmaninho e a canela não chegaram.
- Mas como? – Perguntou Daniel, aproximando-se de Maria. – Nós não vimos nem sentimos nada.
- Ele estava agora mesmo aqui ao meu lado! – Gritou Tatiana com as mãos na cabeça, entrando em histeria.
- Vocês não se lembram? – Perguntou Maria, olhando para Daniel, Tatiana e o gémeo.
- Lembrar o quê? – Perguntou Daniel. Maria não respondeu, olhando chocada para os amigos. – Eu vou ver se o Alex está na casa de banho.
- Prima? – Chamou o gémeo. – O que se passa?
- Não está na casa de banho. – Disse Daniel.
O sino da igreja ressoou por toda a aldeia, penetrando naquele quarto, tal como antes. Maria olhou para o relógio, marcava meia-noite em ponto.
OMGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGG!Você me surpreendeu com esse!O coração parace a celerar e quase parar junto com o dela, esta mto mto mto boa!(só tomar cuidado com a repetção de nomes)
ResponderEliminarRealmente fascinante!Estou anciosa para saber qual é o caminho que estamos tomando...
Um bjo
^^
ResponderEliminarObgd!!
Concentrei-me tanto na história em si, que não tomei mt atenção ao resto... Mas fiz uma revisão e melhorei alguns aspectos. Espero k esteja melhor. :D
Bj