- O que é que a moça te disse? – A avó Medina ainda estava enterrada no sofá. Com as mãos sob os braços do sofá e com uma expressão preocupada, que misturada com as rugas acentuadas, podiam fazê-la parecer um pouco assustadora.
- O senhor Manuel faleceu.
- Oh Deus. – A avó Medina começou a chorar. Lágrimas escorriam-lhe pela cara e num soluço sonoro, ela levou as mãos à cara. Maria sentou-se suavemente a seu lado e abraçou a avó. Que simultaneamente rodou de maneira a puder abraçar a neta. – Ele era um rapaz novo. – Novo em comparação com a avó. Pensou Maria. Era um homem já com cinquenta anos. – Coitada da Teresa…ela vai ficar sozinha com os pestinhas. – Apesar de ser um momento de tristeza, Maria não pode conter um pequeno sorriso. A avó dela tinha mesmo zanga aos gémeos.
Como nessa noite não havia mais nada que pudessem fazer para com a família do senhor Manuel. Maria foi deitar a avó e só deixou o quarto, quando teve a certeza de que a avó acalmara e já estava a cair no sono. Ela ligou a Daniel para dar a notícia e decidiu ir-se deitar também.
O dia do funeral estava fresco. Teresa esteve o funeral todo a chorar desalmadamente, indiferente às grandes olheiras e ao estado de fraqueza. Os gémeos nunca estiveram tão sossegados na vida deles. Os dois vestidos de preto, um de cada lado da sua mãe, com os olhos muito vermelhos, de quando a quando choravam um pouco. Era bastante doloroso ver os dois miúdos a olhar para o caixão. Tatiana ficou o tempo todo ao lado deles. O pai de Tatiana estava sempre junto a Teresa, ela tinha uma perna partida e às vezes a força nos braços falhava-lhe. A viúva mãe do senhor Manuel, estava envolta nos braços da sua, agora, única filha, a mãe da Tatiana. Já não chorava tanto, mas os olhos dela eram muito vermelhos. Maria nunca gostou de funerais. Manteve-se sempre ao lado da sua avó. Daniel esteve sempre perto dela. Tiago parecia querer manter-se à distância, mas ajudou a carregar o caixão e no final foi para perto dos gémeos. Quando enterraram o corpo, a pouco e pouco as pessoas foram deixando o cemitério. Apenas os familiares mais próximos ficaram. João ofereceu boleia no seu carro para levar a avó Medina até à sua quinta. Maria agradeceu, mas soube que havia ali interferência de Tatiana. Uma amiga, também de idade da avó Medina, foi almoçar lá a casa. Por isso, Maria voltou para a aldeia com João e foi ter com Tatiana.
Os gémeos estavam muito quietos, sentados no sofá da sala de estar, com o olhar vazio. Não pareciam as mesmas crianças de 10 anos. Teresa tinha-se ido deitar. Ela ia ficar no quarto de visitas até que estivesse melhor da perna. Os gémeos iam dormir no quarto de Tiago. Tatiana tinha posto a mesa para oito pessoas, a mãe dela insistiu para que Maria e João ficassem para o almoço.
- Meninos podem vir almoçar. – Como dois zombies, os gémeos sentaram-se à mesa. – Depois podem ir dormir o tempo que quiserem. Eu já fiz as vossas camas no quarto do Tiago. – A mãe de Tatiana, a senhora Filomena não esperou uma resposta da parte deles. Ela sentia pena dos garotos. Foi um almoço silencioso, e no final os gémeos desapareceram no andar de cima. Tiago foi para a sala, ver televisão com o pai. A mãe de Tatiana foi a casa de Teresa buscar algumas roupas para os seus hóspedes. Maria ajudou Tatiana com a loiça e João levantou a mesa. Era irreal ver o João a fazer uma tarefa deste tipo.
- A minha avó vai ajudar a Teresa. Elas dão-se muito bem, por isso quando a Teresa recuperar da perna, vai para casa e a minha avó vai morar com ela. – Tatiana ia falando enquanto enfiava a loiça na máquina de lavar.
- E tu, querida, estás bem? – Perguntou João.
- Estou melhor que elas. – O longo cabelo de Tatiana estava solto, caindo-lhe sob as costas numa cascata de ondulações aloiradas. João foi até ela e deu-lhe carinhosamente um beijo na testa. Ela sorriu-lhe. – Eu gostava muito do meu tio. Mas acho que se fosse o meu pai…eu nem sei o que fazia.
De tarde Maria foi até casa de Daniel. Ela sabia que o funeral do senhor Manuel lhe trazia uma memória dolorosa do funeral do pai dele. Daniel estava no quarto a jogar PS3. Maria jogou com ele a tarde toda. Acabaram por não falar sobre nada em concreto. Daniel não mencionou nada sobre o pai dele e Maria também não o quis fazer.
Quando o sol se começou a pôr. Daniel fez questão de acompanhar Maria até casa dela. Ela estranhou o facto de ele levar a mochila.
- Para que é isso?
- Oh. – Na verdade era para levar o diário dela e tentar colocá-lo de volta no lugar. – Eu ainda quero ir apanhar algumas laranjas. – Maria sorriu, ela e avó já tinham dito a Daniel que quando quisesse laranjas era só lá ir e apanhar.
Quando chegaram a casa dela. Ficaram ambos parados por um minuto em frente à casa.
- Queres entrar? – Acabou por perguntar Maria.
- Pode ser. – Daniel começou a pensar numa desculpa para que ela o levasse até ao seu quarto. – Eu tinha pensado. – Maria espreitou pela sala de estar dela. – Podias-me emprestar uma das nossas fotografias de quando éramos pequenos?
- Sim, claro. – Maria enfiou-se na cozinha e voltou instantaneamente. – Onde é que a minha avó se meteu? – Ela espreitou para a sala de jantar. – Avó! Já cheguei. – Ela gritou para o andar de cima. Mas não obteve resposta.
- Talvez estejam no quintal. – Sugeriu Daniel.
- A minha avó não gosta muito de ir para o quintal com as amigas. Mas talvez esteja nas traseiras. – Maria foi até á cozinha e saiu para as traseiras. Duas velhas estavam sentadas em cadeiras antigas de piscina. Adormecidas. Maria voltou para trás. – É melhor acordarmos a Dona Felismina. Ela não vai querer ir para casa de noite.
- Deixa estar um pouco mais. Eu vou buscar a fotografia e depois faço-lhe companhia até casa. – Ofereceu-se Daniel. Maria concordou.
No quarto Maria debruçou-se para debaixo da cama e tirou a caixa florida.
- Escolhe a que quiseres. – Daniel pegou nas fotografias. Olhou discretamente para a zona onde estava a mochila de Maria. Não ia dar para colocar lá o diário, estando a Maria no quarto, sem que ela notasse. Maria levantou-se e foi ligar o portátil. Durante essa fracção de segundo, Daniel pegou no telemóvel, colocou-o em número anónimo e ligou para o telefone fixo de Maria.
O telefone, que estava no andar de baixo. Tocou intensamente. Maria levantou-se.
- Já venho. – E Daniel pode ouvi-la a descer as escadas. Olhou para detrás da porta, e correu para lá. Pegou no diário e colocou-o delicadamente dentro da mochila, tendo o cuidado de deixar uma parte de fora, tal como estava no dia anterior quando o apanhou. Ainda com os sentidos bem atentos, ele pode ouvir Maria a subir as escadas, e as duas senhoras de idade a resmungarem. Ele pulou de novo para a cama e pegou na primeira fotografia de grupo que encontrou. Nesse instante Maria entrou no quarto.
- Vou levar esta. – Maria observou a fotografia. Daniel sentiu-se muito aliviado.
- Boa escolha. – Ela sentou-se numa confortável cadeira em frente à sua secretária. – Telefonaram cá para casa em número anónimo e desligaram logo.
- Que estranho – Daniel disfarçou. - Já mostraste estas fotografias à Tatiana?
- Não.
- Então vamos fazer uma montagem de várias fotografias destas e oferecemos-lhe agora quando ela fizer anos.
- Boa ideia. – Maria sorriu. – Se não fosses tu e as tuas ideias originais eu não sei o que iria dar este ano à Tatiana. Ela já tem de tudo. – Maria dactilografou qualquer coisa no teclado. – Olha, é melhor ires andando. A Dona Felismina quer ir fazer o jantar.
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